O cuidado como um direito-dever fundamental

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Refletir sobre cuidado é caminhar por toda forma de atenção focada na pessoa, eis que o cuidado se refere a um agir que se movimenta em direção ao ser humano e ao ser cidadão.

Segundo Vera Regina Waldow: “o ser humano precisa cuidar de outro ser humano para realizar a sua humanidade, para crescer no sentido ético do termo. Da mesma maneira, o ser humano precisa ser cuidado para atingir sua plenitude, para que possa superar obstáculos e dificuldades da vida humana.”

Na Constituição Federal de 1988, o cuidado é fundamentado pelo princípio da dignidade da pessoa humana que começou a ser idealizado como alicerce dos direitos humanos a partir do Iluminismo europeu dos séculos XVII e XVIII. Além disso, o “cuidado” foi contemplado em diversas normas de proteção do sistema jurídico brasileiro.

De acordo com o artigo 227 da Constituição Federal, o dever de cuidar cabe à família, à sociedade e ao Estado. Isso mostra o quanto o cuidado é relevante para as questões voltadas ao desenvolvimento do indivíduo enquanto ser relacional, como também o quanto ele tem peso quando se trata, especificamente, das relações familiares.

Por conta disso, pode-se dizer que o cuidado é um valor jurídico!

O cuidado também está ligado ao princípio da solidariedade, pois se faz necessário reconhecer que existe uma reciprocidade deste dever de cuidado entre todas as pessoas – não existindo diferenciação entre raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião, idade ou qualquer outra condição. Afirmando assim a presença da interdependência entre os indivíduos, principalmente no que tange à ideia de afetividade. E o núcleo familiar é o berço da construção de tudo que envolve o contexto da solidariedade, como: a colaboração, a cooperação, a assistência – o cuidado.

Posto isso, o que engloba o cuidado? E qual a importância da integração dos componentes do cuidar?

A partir das considerações acima, cabe trazer a afirmação que todo indivíduo deve ser reconhecido como um sujeito de direitos, como ser cultural, social, emocional, mental e espiritual. Por isso é muito importante cuidar das pessoas de forma integral para que a construção da consciência sobre si mesmas e em relação a tudo e todos, bem como do desenvolvimento das capacidades delas seja plena. Ademais, a tarefa de ser agente de cuidado é coletiva, ou seja, a responsabilidade de cuidar é inerente a todo ser humano que se importa com o bem-estar de si mesmo, de todos e de tudo que envolve a sua existência.

Então, abre-se aqui um parêntese para a importância de buscar reflexões a respeito do cuidado em três dimensões: Individual, Social e Ambiental. Mas não se pode deixar de enfatizar o cuidado do SER, pois, seguindo os ensinamentos de Roberto Crema, é o Ser quem nos cuida em todos os aspectos da existência humana. Sendo certo que é o cuidado do SER que faz o trabalho de integração de todas as dimensões.

Se eu não cuido de quem eu sou, não conseguirei cuidar do outro e muito menos cuidarei do todo (da natureza) que abraça a mim e a todos.

Cuidar do SER trata-se de cuidar daquilo que está bem e daquilo que está doente – fisicamente e emocionalmente, ou seja, é prestar atenção no lado luz (as potências individuais) e no lado sombra (os desafios individuais), porque a plenitude do SER está na escolha de dar presença a tudo que compõem o ser humano. Ao acolher todo os lados deste SER, compreende-se a vida assim como ela é – impermanente – e busca-se, a todo momento, o caminho do meio – equilíbrio.

Por esta razão que o cuidado do SER entrelaça as dimensões do cuidado, já que é a partir dele que se cria um espaço de saúde – SAÚDE É VIDA! Quando existe o autoconhecimento é possível incluir o outro (acolhendo-o por meio do diálogo e da escuta, respeitando-o na sua individualidade) e a natureza em sentido mais amplo (terra, água, ar e animais).

Em relação ao cuidar social, pode-se afirmar que existe um movimento cíclico na convivência – cada pessoa somente consegue ser ela mesma a partir da conexão real com outra pessoa. Por isso é na relação com o outro ser humano que o indivíduo reconhece o existir de todas as coisas e esse reconhecimento tem morada no coração de cada um. É pelo amor e com amor ao ser humano que se estabelece o cuidado na dimensão social.

O Cuidado na sua dimensão social exige um agir positivo de compromisso com o outro e esse comprometimento engloba tempo para o diálogo e para a escuta com o objetivo de construção de vínculos e tendo a percepção que o outro é um sujeito ativo e capaz de pensar e fazer escolhas a partir do lugar que ele ocupa na relação. Ou seja, o cuidar social necessita de empenho de todas as partes envolvidas, pois é na relação que se desenvolve habilidades de contemplar as individualidades, os diferentes pontos de vista e de acolher as emoções presentes em cada pessoa, ajudando ao mesmo tempo no atendimento das necessidades de pertencimento e de autonomia em todos os aspectos da convivência.

Segundo Jaqueline Cunha, o cuidar social é uma ação cidadã na qual todas as pessoas precisam ter consciência e dar atenção aos direitos inerentes a cada ser humano, por conta disso o cuidado social deve contribuir para o crescimento e desenvolvimento físico, mental, emocional e espiritual de cada um, respeitando sempre as necessidades individuais. 

“A base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro a se desenvolver como ser humano. Cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades” – Autor desconhecido.

Falar de cuidado na dimensão ambiental é refletir sobre a sustentabilidade em sentido amplo, pois refere-se à qualidade de como as relações sociais são constituídas, ao respeito à cultura e à saúde de um modo geral – e, acima de tudo, entendendo que esses pontos não estão separados da natureza em si (terra, água, ar e animais).

É pensar a partir da seguinte afirmação-base: “somente quando se aprende a cuidar de si mesmo e dos outros é que se torna possível existir uma relação sustentável com meio ambiente.”

Sendo assim, para se falar em cuidado ambiental se faz necessário olhar para a relação pessoa-ambiente trazendo como ponto focal a conscientização da responsabilidade humana diante de todos os aspectos que envolvem a natureza, ou seja, é trazer à tona particulares das atitudes e condutas do ser humano que, por não se enxergar como parte integrante de um todo, não reconhece sua responsabilidade diante dos fatos que exploram e destroem o meio ambiente.

E o que a consciência de responsabilidade tem a ver com cuidado ambiental?

Todo ser humano nasceu com a potencialidade de ajudar o outro e por meio dessa capacidade consegue concretizar as suas possibilidades de SER, ou seja, todo ser humano se move por um sentido que está vinculado a viver por algo e por alguém, descobrindo assim quem ele é. Então, esse movimento interno que acontece com qualquer pessoa está totalmente relacionado à existência humana, ou seja, mobilizar-se para o sentido da vida!

Segundo Viktor Emil Frankl: “o ser responsável é aquele que reconhece seu papel social enquanto sujeito livre e capaz de se expressar para atender as suas necessidades em diversos níveis as quais dão sentido à sua vida.”

E o cuidado ambiental está no lugar de equilíbrio entre a satisfação das diversas necessidades humanas que surgem a partir das relações e a salvaguarda da existência de tudo que compõem natureza (terra, água, ar e animais) para as gerações atuais e futuras, mantendo a qualidade de vida de todos os seres humanos e atendendo as concepções referentes à sustentabilidade.

Conclui-se que uma sociedade justa, pacífica e sustentável é aquela que entende o CUIDADO enquanto direito-dever e na qual cada pessoa pertencente a ela busca caminhos coletivos que privilegiam a continuidade da existência humana.


Fabiana Lima Santos – Educadora Social. Gestora de Conflitos com foco em Cultura de Paz na Educação pelo IFBA – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia. Fundadora e Coordenadora do Instituto De Coração Para Coração. Facilitadora de Diálogos Restaurativos pela AJURIS – Escola de Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul e com Aprofundamento em Facilitação em Diálogos Restaurativos pela AJURIS – Escola de Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul. Mediadora de Conflitos Extrajudicial certificada pela Câmara Mediati e com Aprofundamento em Mediação & Arbitragem pela FGV – Fundação Getúlio Vargas e também em Mediação Narrativa Circular ministrada por Héctor Valle na Coonozco/Diálogos Transformativos e com certificação Internacional pela Sociedad Científica de Justicia Restaurativa (Espanha) e Coletivo Diálogos (México), como também pela EMAB – Escola de Magistrados da Bahia.

Contatos pelo e-mail: coracoesemdialogo@gmail.com pelo Celular: 21 995451311 Página do Instagram @coracoesemdialogo ou Site https://coracoesemdialogo.com/

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