Quando se pensa em amores impossíveis, duas histórias saltam aos olhos da literatura universal: “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo Branco, e “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare. Se por um lado temos a paixão avassaladora dos jovens de Verona, por outro, encontramos o romance silencioso e resignado de Simão e Teresa. Mas o que há de comum e o que separa essas duas narrativas?
Ao traçar um paralelo entre as duas obras, fica evidente que o trágico permeia ambas, mas com características bem distintas que refletem os contextos literários de seus autores. Camilo Castelo Branco, herdeiro do romantismo português, e Shakespeare, mestre do drama renascentista, transformaram o amor em um campo de batalha onde o destino é o maior inimigo.
Se “Romeu e Julieta” vivem um amor que arde como fogo, rápido e incontrolável, Simão e Teresa se veem tragados por um amor como a maré: lento, constante, irresistível. Em Shakespeare, o amor é quase uma explosão juvenil, uma faísca que, ao encontrar o menor combustível — a beleza de Julieta e o ímpeto de Romeu —, se transforma em incêndio incontrolável. Já em Camilo, o amor é uma maldição que sufoca os personagens, arrastando-os para um destino inescapável.
A prosa de Camilo é carregada de pessimismo e fatalismo e cria um ambiente sufocante, em que o amor não é uma escolha, mas um fado cruel. Simão Botelho e Teresa de Albuquerque são vítimas não só de suas famílias, mas de uma sociedade que os amarra a regras inflexíveis. O amor, nesse caso, é um caminho direto para a perdição, como o próprio título sugere. Em contraste, em Shakespeare, o amor é uma força redentora, que, apesar de levar à morte, transcende o ódio entre as famílias. A tragédia em Verona tem um toque de esperança; os amantes morrem, mas suas mortes pavimentam o caminho para a paz entre os Montéquios e Capuletos.
Se há algo que une as duas histórias, é o papel quase cruel que o destino exerce. No entanto, a forma como esse destino se desenha é bem diferente. Em “Romeu e Julieta”, o destino é imprevisível e cruelmente irônico: um atraso aqui, uma carta perdida ali, e os amantes são conduzidos à morte. O jogo de coincidências que leva à tragédia é quase cômico em sua perversidade, como se o universo estivesse brincando com a vida dos protagonistas.
Já em “Amor de Perdição”, o destino é muito mais sombrio, pesado e deliberado. Desde o início, Camilo nos faz sentir que Simão e Teresa jamais terão uma chance. Não há fugas secretas ou poções de morte aparente; aqui, o fado é implacável, a sociedade é o carrasco, e o amor é o condenado. A cada página, o leitor é afundado no desespero desses personagens, e ao invés de ação, somos brindados com reflexões existenciais sobre o peso da vida e o inevitável fracasso.
O que torna Shakespeare universal é a maneira como seus personagens são movidos por suas próprias paixões, mesmo que isso os leve à destruição. Romeu e Julieta são donos de seus destinos, ainda que tomem decisões trágicas.
O tom de Camilo, por outro lado, é fatalista. Em “Amor de Perdição”, não há o que os personagens possam fazer para alterar seu caminho. O amor, para eles, é uma prisão sem escapatória, um destino selado antes mesmo de suas vidas se cruzarem. Isso confere ao romance de Camilo um tom muito mais melancólico.
Se Romeu e Julieta são símbolos de um amor que desafia tudo e todos, Simão e Teresa são a personificação de um amor esmagado pelo mundo à sua volta. Em ambos os casos, a morte é a única saída — mas enquanto o drama de Shakespeare sugere que a redenção é possível, mesmo que custe a vida dos amantes, Camilo Castelo Branco parece nos dizer que, às vezes, amar é condenar-se ao abismo sem retorno. As duas histórias continuam ecoando ao longo dos séculos, lembrando-nos que, por mais que o amor seja uma força arrebatadora, o destino, seja ele cômico ou cruel, tem sempre a última palavra.
João Paulo Silva – @oviajantedasestrelas