O tempo de agora é o tempo da oportunidade?

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Amyr Klink, navegador e escritor, em uma de suas viagens à Antártica, teve a chance de se deparar com esta situação e escreveu:

Já ancorado na Antártica, ouvi ruídos que pareciam de fritura. Pensei: Será que até aqui existem chineses fritando pastéis? Eram cristais de água doce congelada que faziam aquele som quando entravam em contato com a água salgada. O efeito visual era belíssimo. Pensei em fotografar, mas falei para mim mesmo – Calma, você terá muito tempo para isso… Nos 637 dias que se seguiram o fenômeno não se repetiu. As oportunidades são únicas.

Nosso amigo aqui foi pego de surpresa e levou esse ensinamento do mundo para a vida dele. As coisas não acontecem no tempo que queremos nem como desejamos. As oportunidades passam por nós uma vez e da outra já não será como antes, pode até ser bom novamente, mas nunca como antes, e é interessante para nós que possamos entender isso. Queremos ter certezas todo o tempo de que algo bom vai acontecer de novo, de novo de novo, mas se as coisas ruins passam, as boas também, e isso é a Vida em ação. Não tenho o controle total dela como alguns pretendem dizer. Quando vamos fazer uma viagem de navio, por exemplo, nos equipamos com tudo o que podemos, desde água e alimentos, para que não nos faltem, até objetos necessários à localização e todo o tipo de acessórios para o navio ter equipamentos adequados à navegação. Isso acontece no intuito de prever circunstâncias adversas e evitar acidentes, mas não garante que eles não vão acontecer. Aqui para nós, a metáfora estrutural para a vida é seguir adiante no caminho, a vida é uma linha (reta ou tortuosa) em que andamos para a frente. Você não se sente assim?

Qual reflexão você pode tirar disso?

Aproveitar o que a vida nos oferece no momento presente, hoje, é uma dádiva. Seja eu católico, budista, espírita ou ateu. Isso não tem nada a ver com religião como se entende ser ela, tem a ver com estar presente. E também não tem qualquer apologia a “vamos fazer de tudo porque o tempo passa rápido”, de modo algum. Uma amiga me dizia que “se me foi dado um limão, limonada será feita”. Não posso só chorar pelo azedume do mundo ou pelo leite que foi derramado no passado. Hoje é o dia de novos acontecimentos, novas possibilidades, e eu preciso encher um novo copo, e saboreá-lo da melhor forma possível.

De que adianta querer voltar no momento que eu ia bater para o gol e não o fiz? O que fazer quando o ser amado acabou o namoro e não tem volta? Como voltar ao momento em que perdi a hora do voo? Ou quando um dente quebrou à mesa do jantar? Quando o acidente de carro inesperado aconteceu, porque alguém alcoolizado atravessou na contramão e acertou em cheio no meu carro? Quando o gelo derreteu e eu não tinha um celular ou câmera para fotografá-lo?

Então, não adianta reclamar, resmungar ou ficar gerando culpa. Preciso esquecer o que o passado me causou de dor e trazer da experiência vivida ensinamento: o que eu posso fazer com isso que a Vida me deu? Posso gerar mudança: tirar proveito do que ficou de bom de tudo o que vivi. Não dá para esquecer de que somos o produto do que fizemos e o que foi feito conosco durante nossa trajetória até o agora. Mas posso alterar esse resultado? Sim, claro! Mas unicamente se eu quiser…, e se a Vida permitir. Estar ciente de que há coisas que não pudemos mudar é fundamental também.

Fonte: DepositPhotos

Então, você ainda acha que o outro pode mudar para te agradar, que o mundo vai mudar por você?

Todos passamos por tempestades, e por vezes nem dinheiro pode nos tirar de lá. Às vezes, mesmo cercados de todo o conforto material, nos sentiremos em um pequeno barquinho a navegar num mar revolto sem ter onde ancorar. Nessa hora, os amigos podem nos ajudar e terapia também. Mas quando se trata de problemas que eu preciso resolver, eu tenho de estar atento e envolvido na questão, assim como saber que o que depende dos outros, eu nunca posso realizar. Recebi hoje a frase a seguir: “Amar é dar a alguém a paz que o mundo tira”, será? Será que é realmente o mundo que tira a paz de alguém ou é a própria pessoa que quer algo que o mundo não pode dar a ela, uma satisfação máxima, só prazeres e muitas realizações. O mundo não é um lugar só de alegrias, porque a vida também não é. Se vivo no mundo, sou obrigado diariamente a conviver com o que há. A fome existe, o calor, o frio, o cansaço, mas também a alegria, o amor, o consolo, o descanso. E é necessário aprender a conviver com os extremos e fazer com eles aquela mistura amorosa e compassiva onde possamos nos banhar, refrescar.

Atualmente estamos na era das frases soltas, sem qualquer explicação. Os feeds no Instagram que mais fazem “sucesso”, por exemplo, são os daquelas frases que dizem o que você quer escutar: para as mulheres perfis feitos por homens que sabem manipular a linguagem e trazer empoderamento feminino, para homens um reforço ao sucesso e tudo o que o dinheiro possa comprar. O marketing já descobriu, faz tempo, como transformar uma necessidade em um desejo e, hoje, mais do que nunca, em como fazer as pessoas aderirem a verdades parciais que se tornam absolutas. Entre elas a de que você precisa ser forte e ser sua melhor versão. Fala sério!

Preciso ser minha melhor versão para ultrapassar tempestades?

Qual seria A minha melhor versão? Eu mudo constantemente, todos os dias e o mais legal é que e ainda posso ser eu mesmo sendo outro. Não há como me transformar na minha melhor versão, pois isso pressupõe que sou um ser acabado, completo, que me rendo a ser alguém que para ali, mas na verdade não. Estou em processo constante, sou um somatório de vários eus, de várias pessoas que habitam em mim, suas vidas, seus discursos, seus hábitos que interferem diretamente no que sou ou quem estou sendo. E não estou falando de esquizofrenia, ao contrário, estou falando de alguém real. Não tenho de ser uma versão, que mais parece linguagem cinematográfica, porque sou real, de carne e osso, e alma, e sonho, repleto de alegria e tristeza, de tudo o que fui antes e do que existe agora. Estou vivo e cheio de riquezas, experiências mil que me fazem encontrar meu valor, portanto não tenho que ser melhor para o mundo, mas para mim, percebe?

Portanto, não podemos nos ater ao passado, porque nada do que está lá, retorna. Não somos mais aquela pessoa, nem as pessoas que nos cercam, por mais que digam que são as mesmas ou se esforcem em não mudar para garantir algo. Somos hoje o que aconteceu lá, nossas experiências, nossas tentativas. Mas também somos os pedaços de futuro que já estamos pensando e construindo devagar. É importante que reconheçamos as falhas, que todos temos ou tivemos, e olhar para o horizonte com os “olhos livres”, libertos de toda culpa e/ou rancor. O que somos hoje é que vai modelar o que seremos amanhã, e ponto (ou não). Então, o que há entre o ontem e o amanhã? O agora, somente este percurso de hoje.

Fonte: Jason Reed/Reuters

Por isso, é preciso se abrir ao fluxo dos Acontecimentos e surfar nas ondas da Vida. Vivamos o hoje com intensidade, o mais conscientes possível. Descobrindo nossas potencialidades, nossos sonhos, convivendo com nossos medos e dores do caminho. Caindo, levantando e continuando, pois as oportunidades aparecem sempre, mas precisamos estar integrados e presentes para enxergar nelas as possibilidades que se nos apresentam. É extremamente importante reforçar meus vínculos saudáveis, olhar minhas idiossincrasias, respeitar meu passado, honrar minha história e me aventurar para outro futuro, mergulhando nesse mar desconhecido que eu sou hoje.


Janice Mansur é escritora, poeta premiada, professora, revisora de tradução e criadora de conteúdo.

Visite a autora também no site do Jornal Notícias em Português (Londres) e na Academia Niteroiense de Letras.
Canal do Youtube: BETTER & Happier
Instagram: @janice_mansur

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