Mudar a convivência requer enxergar a si mesmo

8 min. leitura
Tarsila do Amaral Antropofagia, 1929 - Acervo Itaú Cultural

Instigo você a refletir, nos observando ao longo da história, começando com duas perguntas: Nós, seres humanos, interiormente mudamos alguma coisa!?

Apesar dos grandes e importantes avanços tecnológicos e científicos que estamos presenciando nos tempos atuais, o indivíduo – psicologicamente – mudou!?

Ao mesmo tempo, para incrementar essa investigação filosófica aglutino a seguinte afirmação: temos ciência que a estrutura da sociedade foi e continua sendo criada por nós – indivíduos – que somos moldados a partir das relações, das experiências de vida (podemos então dizer que somos produto do que vivenciamos através do tempo ou do espaço no qual estamos inseridos).

É refletir a partir da premissa que toda história humana está escrita em cada um de nós!

Contudo, passo a perceber que existe um movimento contínuo que não sabemos onde ele se inicia e onde ele termina, ou seja, não é possível identificar se este ciclo é iniciado no indivíduo e depois constitui-se a sociedade ou se ele se inicia na sociedade e produz-se, assim, o indivíduo. Mas, dessa percepção, uma terceira pergunta surge na cabeça que é: Como reconstruir as bases/os valores que permeiam este ciclo? Como buscar novas experiências relacionais e, simultaneamente, individuais para transformar o contexto – a sociedade?

Penso que um caminho é observar o que realmente está ocorrendo do lado de dentro enquanto toma-se consciência do quanto que o externo – a cultura da competição, do desejo de poder, de “status” etc. – afeta o nosso interior, gerando grandes conflitos, primeiramente, no lugar mais íntimo que existe dentro de nós (na nossa psique, no nosso mental) e alimentando a inveja, a agressividade, o ciúme, a ansiedade.

A batalha da existência começa internamente, consentindo que é preciso “deixar morrer para renascer” (Roberto Crema) – é preciso deixar morrer alguns costumes e crenças de um sistema insustentável que existe dentro de nós e que reproduzimos para fora de nós.

Aquilo que vemos na sociedade nada mais é do que existe dentro de nós! Aquilo que cultivamos na nossa psique/no nosso mental, inconscientemente, repetimos nas relações interpessoais, pois temos medo de reconhecermos em nós a dor, temos medo de olhar para nossas próprias dores.

E por isso somos, “cada um de nós”, inteiramente responsáveis por toda a situação de violência no mundo! Isso porque aceitamos ser violentos com nós mesmos!

Mas como nós poderemos criar uma sociedade diferente da que experienciamos hoje?

Talvez o início seja NÓS, eu e você, aceitarmos que precisamos PARAR para OBSERVAR ATIVAMENTE o que está acontecendo na nossa vida diária e promovermos em nós mesmos a nossa revolução interna (tomarmos consciência deste fluxo contínuo – deste movimento natural: o que está acontecendo no meu interno é expresso no exterior e o que acontece no exterior reverbera no meu interior que faz o meu interior reagir de alguma maneira para o lado de fora novamente).

Contudo este exercício – de se enxergar, de se escutar – exige do indivíduo muita energia, pois demanda força para mudança, para sair do lugar comum – uma força para tirar nossa psique/nossa mente do automático, da anestesia!

O convite é refletir que o REAPRENDER a SER se encontra em uma dimensão do NÃO SABER estabelecida por meio do silêncio interior, da presença em si mesmo, ou seja, é um aprender a se esvaziar do passado (se APODERAR dele e fazer escolhas conscientes a partir dele), bem como um aprender a não projetar o futuro (mas construir no presente ações a contar do DESPERTAR ciente do que se senti e do que necessita verdadeiramente).

Portanto, penso que uma forma de romper ciclos “padronizadores” seja olhar para aquilo que nos afeta, que causa dor, ou seja, é não ter medo de realizar mergulhos internos profundos: acolhendo as emoções e compreendendo os sentimentos que são produzidos para “materializá-las”, buscando identificar a história/o fato que existe por trás desse sentir, mas sempre cultivando a AUTOCOMPAIXÃO.

Estudos comprovam que o desenvolvimento da autocompaixão nos torna mais receptivos e não críticos em relação ao outro. Sendo assim, o tratar a si mesmo com gentileza também auxilia na conexão com outro, pois nos ajuda a enxergar que as outras pessoas, assim como nós, passam por dificuldades e possuem dores (sentimentos latentes de necessidades não atendidas). E isso promove um ganho de flexibilidade no que tange a respeitar as opiniões e as escolhas do outro, já que passamos a considerar que os pontos de vista podem ser diferentes, ou seja, nos colocamos mais disponíveis às conversas para resolver problemas e para promover transformações nas relações interpessoais.

Concluo esse texto reflexivo trazendo as seguintes considerações: Primeiro, precisamos tomar consciência que somos seres emocionais e buscar perceber os processos internos que acontecem por interferência daquilo que nos afeta, em segundo lugar, precisamos adquirir recursos que viabilizem a gestão das nossas emoções e a satisfação das nossas necessidades, por fim, precisamos exercitar o auto acolhimento e autocompaixão principalmente em momentos difíceis. E, no curso dessa reestruturação interna, poderemos criar uma sociedade diferente desta que vivenciamos hoje.

É abrir espaço para o SE CONHECER a partir do que te afeta e daí em diante buscar uma convivência com base em um agir consciente do EMOCIONAR!


Fabiana Lima Santos – Educadora Social. Gestora de Conflitos com foco em Cultura de Paz na Educação pelo IFBA – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia. Fundadora e Coordenadora do Instituto De Coração Para Coração. Facilitadora de Diálogos Restaurativos pela AJURIS – Escola de Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul e com Aprofundamento em Facilitação em Diálogos Restaurativos pela AJURIS – Escola de Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul. Mediadora de Conflitos Extrajudicial certificada pela Câmara Mediati e com Aprofundamento em Mediação & Arbitragem pela FGV – Fundação Getúlio Vargas e também em Mediação Narrativa Circular ministrada por Héctor Valle na Coonozco/Diálogos Transformativos e com certificação Internacional pela Sociedad Científica de Justicia Restaurativa (Espanha) e Coletivo Diálogos (México), como também pela EMAB – Escola de Magistrados da Bahia.

Contatos pelo e-mail: coracoesemdialogo@gmail.com pelo Celular: 21 995451311 Página do Instagram @coracoesemdialogo ou Site https://coracoesemdialogo.com/

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