A Defesa Definitiva de Batman vs Superman: A Origem da Justiça

24 min. leitura

Texto baseado na VERSÃO DEFINITIVA do filme (obviamente)
(E por motivos de respeito à boa logística da grafia e quantidade de palavras que vai com certeza haver aqui, vamos abreviar e chamar o titulo de BvS – como todos os fãs já o chamam)

Me permitam começar dizendo algo que muitos já sabem por agora, mas caso não saiba, falar sobre BvS já se tornou um praxe de todos que conhecem ou sentem algo pelo filme, seja negativamente ou positivamente. O filme que foi massacrado por críticas em seu lançamento com uma versão picotada e desconjuntada, mais tarde salvo pela versão definitiva/estendida que ilustrou melhor as desenvolturas da trama e os temas que buscou explorar. Mas não o suficiente para muitos, que ainda vem julgar fortemente o filme com tantos inúmeros insultos que nem valem à pena descrever todos, assim como é defendido por muitos, perpetuando-se assim o debate até hoje.

Enquanto alguns diretores considerariam isso uma maldição, creio que esse sempre foi o ponto de interesse do próprio diretor, Zack Snyder, como ele próprio disse em uma entrevista recente para o The New York Times: “Mas ‘BvS’, ame ou odeie, é provavelmente o mais mencionado em hashtags e referências. É a coisa mais próxima de um cult que poderia existir neste nível da cultura pop.”. E ele não está mentindo, as discussões perpetuadas, os diversos vídeos e artigos de análise/defesa e o número de fãs que estão por trás da visão de Snyder para esses personagens falam por si, e é a marca que BvS deixou entre fãs dos personagens, quadrinhos e seus filmes, ame ou odeie.

Mas isso não vai ser apenas mais uma crítica apenas passando por um ‘check list’ completo com TODOS os argumentos, leituras e interpretações (sim esse filme tem algumas, acredite ou não) usadas para defender o filme, apenas mais uma opinião franca, pessoal e ligeiramente analítica, do por que BvS está longe de ser algo de tão terrível como clamado por muitos. Começando pelo como esse filme se tornou o que conhecemos dele: Batman versus Superman.

É engraçado notar que, se O Homem de Aço mais se parecia como uma tentativa “despretensiosa” de começar uma nova franquia do Superman, seguindo uma estrutura semelhante da que Nolan adotou com sua trilogia O Cavaleiro das Trevas, com uma pegada de adaptar personagens dos quadrinhos dentro de um tom mais “realista”; no momento em que eles anunciaram que o BATMAN, de todos os personagens, estaria na continuação, e junto com ele vieram anúncios e escalação de outros super-heróis da DC que estavam (alguns finalmente) recebendo uma versão em filme (outros uma atualização) na tela, desde a Mulher Maravilha, Aquaman, Flash e Ciborgue. Com isso, BvS acabou se tornando basicamente uma porta prometida para a DC começar seu próprio universo MCU, ou melhor, como foi chamado brevemente: DCEU.

Mas estou disposto a apostar que Zack Snyder apenas achou que seria uma boa idéia trazer o Batman para o meio da história que ele ajudou a criar para o Superman, já que tenho certeza que ele ama o personagem (e até admitiu mais tarde que através de O Homem de Aço, ele estava usando como porta para outros personagens da DC, como Batman). E até é lógico de se pensar que: O que realmente poderia ser uma ameaça pior do que “seres divinos” como Zod que tinham os mesmos poderes do Superman e que poderiam enfrentar ele frente à frente em uma continuação?! O próprio ser – humano, e por que não o maior espécime do mesmo nos quadrinhos: o BATMAN! Então Warner perguntou se isso poderia ser o início de um universo cinematográfico DC para ele. Aí ele pensou: oh…OK.

Então, se enquanto Homem de Aço era um filme de Zack Snyder tentando ser um filme Nolan e um épico de ficção científica, BvS é um filme COMPLETO de Zack Snyder sobre Batman e Superman. Mas que se apresenta longe de qualquer pré-concepção criada pelo legado recente do Universo Cinematográfico Marvel, criado para universos de super-heróis, com Snyder se mostrando um faminto “desconstrutor” de mitos. Tomando um controle criativo completo da história e idéias presentes do filme, junto com o novo roteirista Chris Terrio, e do início ao fim, procura criar (novamente) sua própria história em quadrinhos em forma cinematográfica.

Trazendo novamente a narrativa dinâmica semelhante a de Homem de Aço, mas formando aqui uma versão inteiramente diferente, e até, em uma versão muito mais madura da mesma. Ainda fragmentada, mas bem costurada, diversos núcleos se espalham, mas todas se casam dentro da história. Dando inicio a cada um dos arcos individuais desde Batman, Superman, até Lois Lane e Lex Luthor. É fluída e rápida, composta de ações pontuais, diálogos ágeis, frases casuais soltas, alguns usuais monólogos, carregado de informações que definem cada recanto do mundo e dos personagens habitando neles, que se piscar ou ler rápido demais, perdeu, basicamente como nos quadrinhos.

Deixando aquela mesma dinâmica de Homem de Aço, não só mais coesa, como se apresentando muito mais fluída em ritmo, mesmo que ainda com uns soluços aqui e ali. Mas a sensação enquanto assistimos é tanto envolvente como divertidamente intrigante. Tomando, além da personalidade e do ritmo de ler uma revista em quadrinhos (a fissura de Snyder), uma estrutura de um verdadeiro thriller investigativo político, criando uma verdadeira natureza investigativa acontecendo em cada um dos diferentes arcos, nos pedaço da trama conectando-se um a outro na forma de progressão natural da história, e constantemente se movendo até que tudo se cruza no final de forma mais do que bem desenvolvido e bem escrito.

Enquanto a meio de tudo, leva cada um de seus personagens em jornadas pessoais onde se questionam da própria natureza de sua existência, em um mundo onde cada uma de suas ações tem peso de consequência para muitos e para eles próprios. Onde Snyder basicamente acaba fazendo seu próprio Watchmen original, agora com o grande panteão de personagens da DC! Se isso já começa a te incomodar, encarando isso apenas como se fossem puras pretensões de idéias e sem realizações concretas, exigindo respostas mastigadas e se recusando a pensar nos questionamentos impostos pela narrativa, então Snyder continua a ser mal interpretado.

Ele é, ou pretende ser, um verdadeiro provocador. Ele não quer fazer um entretenimento saboroso fácil para você digerir, fica satisfeito, mas logo se esquece (leia como quiser). Quer colocar esses personagens bem estabelecidos na cultura pop, com a confiança e sabendo que nós, o público, temos nossas próprias visões e compreensão de quem são e quem eles são, e os coloca para desconstruídos na frente da tela, redefinindo-os se necessário. Mas não sem motivos, no que diz respeito à própria história!

Com o roteiro tirando algumas inspirações claras que vão desde The Dark Knight Returns de Frank Miller – de onde se tira muito da estrutura narrativa do filme envolvendo desde o Batman parrudo mais velho e sem pudor à violência como a repercussão midiática que se dá em cima do debate moral de ações de Justiça dentro e fora da Lei, dessa vez envolvendo tanto Batman, mas como principalmente o Superman (e claro, o épico embate final entre os dois terminando com uma morte); e Superman: Birthright de Mark Waid que registra ainda os primeiros anos do Superman na terra (como no filme, só que em um tom bem diferente), mas principalmente pela retração do Lex Luthor mais jovem e de personalidade extrovertida como psicótica (e com cabelos ruivos, não esquecer).

E o filme ainda se estabelece tanto como uma continuação e progresso da história de Homem de Aço, ainda mantendo Superman como parte proeminente da história e com todas as desenvolturas da trama acontecendo por causa e em volta do mesmo. Ao mesmo tempo em que foca em mostrar uma evolução do jovem começando a ser um Super Herói. Um herói que aqui se apresenta como alguém em busca de fazer o bem à todos em seu alcance, mas que não se sente realizado. Dentre outras inspirações, Terrio ainda citou tirar muito sobre o ensaio O Mito do Super-homem feito por Umberto Eco, e se forem ler o mesmo, notarão o quanto o filme trabalha tanto como uma adaptação, como uma subversão, das idéias apresentadas por Eco em seu texto em 1972.

Se lá o autor caracteriza o Superman como um ser criado a partir de conceitos que o definem como uma figura de propaganda do poderio e força americana ilustrada na imagem super-herói, que subjuga o leitor à essa condição de um inferior que se inspira nessa imagem/modelo de perfeição irrebatível, intocável, inalcançável – o público, o povo olhando de baixo para Superman e seus feitos. Mas que denota como o “super” também é um “man: homem”, ou seja, super-homem: é “super”, mas ainda se identifica como um humano.

Um humano que carrega defeitos, comete erros, reflete seus desejos de uma vida de paz e felicidade com Lois, mas sofrendo com uma pressão de todos os lados sobre o que ele deve ser, como ser, como agir. Se todas as suas ações e atos ditos heróicos são justificados, ou quantas vitimas ele deixa para trás sem perceber, ou ignora sem querer. Desconstruindo os mesmos mitos de “perfeição” absoluta e sem erros do Superman, o mostrando se sentindo em um estado que logo se torna melancólico, perdido, sozinho, em dúvida consigo mesmo e é de doer o coração uma vez que você consegue realmente sentir por Clark e a mais uma vez acertada performance de Henry Cavill que mais e mais encarnava o personagem com absoluta propriedade.

E dando uma nova faceta do Superman que nunca tínhamos visto antes, não no cinema, pelo menos, onde ele sente que nenhuma das decisões que toma é sempre isenta de falhas. As mesmas falhas que nutre seu sentimento frustrado de atender a todas as necessidades da humanidade, decepcionado consigo mesmo e por aqueles que escolheu proteger e que só o julgam. E isso pois ele ainda não alcançou a fase que Eco define como o “deixar de ser medíocre para ser um ícone, um destaque entre os demais.” – a inspiração que seus pais tinham o imaginado em ele ser para a humanidade – todo seu arco se resumindo aí. O que é colocado em teste quando Batman entra em cena, e a batalha entre ambos ícones lentamente começa.

O grande sábio Michael Caine (o outro incrível Alfred do cinema) disse uma vez que “Superman é como a América se vê a si mesma. E Batman é como o resto do mundo vê a América”, nessa lógica, parte dos americanos vêem o Superman como a brilhante força do bem e bem-intencionada prosperidade, buscando justiça para todas as raças e nacionalidades. Enquanto para outros, como o Batman, ele é apenas uma bomba-relógio, prestes a explodir mesmo com uma percentagem pequena sinal para isso. Ou como é dito no próprio filme: “todo ato, é um ato político” – e as ações do Superman não são exceção neste mundo.

Tomando a batalha de Metrópolis como o principal meio de questionar a gama de poderes e ações do Super-Homem, o tom que a mídia assume constantemente analisando e debatendo, quase como um terceiro protagonista do filme, evoca o sentimento de uma América pós 11 de Setembro. Onde o ataque terrorista teve um impacto existencial transformador na psique Americana, alterando a consciência humana, criando novos padrões de moralidade e níveis de medo contra aqueles apontados como o inimigo

Enquanto no filme, esse é ataque que muda a consciência humana é o mundo pós-ataque de metrópole pelos alienígenas Kryptonianos e o envolvimento do Superman nele, e embora estivesse do lado do humano, não conseguiu evitar as inúmeras mortes, aumentando o fato e a idéia de que um alienígena todo-poderoso como ele, poderia facilmente destruir seu planeta adotado com facilidade – se ele o assim quisesse. E o homem que está firmemente acreditando nessa ideologia extremista é o próprio Bruce Wayne, que é brilhantemente mostrado como ter sido uma das testemunhas no local do ataque e da destruição de boa parte de Metrópolis, onde perde um amigo, vê uma menina se tornar órfã, vítimas cobertas de poeira

Tudo que o leva a despertar toda a raiva que ele tem em sua busca cega pela justiça, e deixando sua linha de moralidade borrada entre o que é um herói e um criminoso, confundindo justiça com pura vingança. Uma ‘vingança’ que ele carrega dentro de si desde sempre na sua vida, desde a noite que o criou, quando perdeu seus pais e que despertou sua busca de vingança contra a violência contra inocentes, agindo como um completo niilista, possuído por espírito completamente (auto-)destrutivo, em relação ao mundo e ao próprio senso de humanidade e sobre o que é ser verdadeiramente bom nesse mundo, algo que ele não mais acredita e admite ele próprio ser um criminoso nos olhos da lei por agir do jeito que age.

Como o ótimo Alfred de Jeremy Irons perfeitamente resume na já icônica frase: “a febre, a raiva, o sentimento de… impotência, que torna homens bons… cruéis”. Mas sua “impotência”, comparada com um Deus seria suicídio, ele é ciente disso e se usa de todo seu intelecto estratégico e habilidades para conseguir derrubar um Deus (com uma pitada de Kryptonita). No caso, a impotência se traduz como o real estopim da origem do que faz o Bruce Wayne ser o Batman, o medo. O medo que ele sentiu na morte de seus pais, o medo de uma eterna solidão, o medo que ele sentiu ao cair no poço e ser atacado por morcegos

Resumido brilhantemente na cena intro que, em menos de 4 minutos, com apenas pura linguagem visual, e talvez o melhor (e mais intelectual) uso do Snyder para suas usuais slow-motion, junto de “Beautiful Lie” da trilha sonora soberba de Hans Zimmer e Junkie XL tocando no fundo, recontam toda a já bem conhecida história de origem do Batman com a morte de seus pais. Até vagueando por território já explorado nos filmes de Nolan – e nos quadrinhos – (o poço de morcegos, o medo o inspirando a se tornar herói) – mas que é sarcasticamente rebatido pela breve narração de Bruce dizendo “no sonho eles me levavam até a luz, que bela mentira”, automaticamente mostrando que não há nada de heróico ou inspirador em sua história, e sim um trauma que ele carregou consigo até a idade adulta, e que ainda o persegue.

O morcego pode ser a forma que ele usou para suprir isso, despejar sua raiva e violência contra seus rivais em uma busca cega por justiça, mas que ficaram longe de o curar. Tendo um Batman aqui que, em sua reclusão como Bruce Wayne, vive à base de álcool, cercado de pílulas analgésicas, e que a noite se veste como um morcego e saí por aí espancando criminosos até eles sangrarem. Movido, e sempre atormentado, agora mais do que nunca pelo medo que toma novas proporções divinas, uma vez que ele testemunhou o que um ser como o Superman é capaz de fazer em nosso mundo. Sendo possuído pelo medo pelo futuro, medo pela humanidade

E quão ousado e perspicaz é do diretor em causar um embate entre os heróis no próprio intercalar de imagens, seja indo de imagens digna de abstração com Superman sendo visto como um Deus sob a terra, intercalado com Batman tendo pesadelos com sua morte, encarnando seus medos em seus pesadelos apocalípticos com o Superman se tornando um tirano ditador que levou o mundo à ruínas. Serve tanto como uma encarnação dos medos de Bruce personificados em forma surreal, como já era Snyder inteligentemente estabelecendo o futuro da franquia que ele havia planejado, que é encaixada dentro da narrativa, e não soa nada invasivo como alguns julgam.

Enquanto que na performance geral, quando você vê Ben Affleck dentro do traje e em ação, a única coisa que você pode ver e pensar é: “esse É o Batman!” Apesar de todas as críticas e descontentamento que as pessoas ainda possam ter com sua versão, o escalamento dele não foi apenas ousado, mas muito preciso, no que consegue ser facilmente o Batman mais fiel aos quadrinhos de todos os tempos! Seu Bruce Wayne é o playboy babacão sarcástico que esconde completamente seu verdadeiro eu, e Affleck interpreta isso com facilidade – ainda melhorado pela idade mais velha e brucutu do personagem.

E seu Batman tenha toda a letalidade física que ele mesmo constrói, impõe medo não apenas nas almas dos criminosos, mas também na própria população. Vide como a sua cena intro parece tirada direto de um filme de terror e a primeira vez que vemos o Batman em cena ele parece um demônio à espreita grudado na parede – o medo que sentem por ele é o medo que você começa também à partilhar. Mas visto como um “mal necessário”, aos olhos de muitos – a própria polícia. Enquanto em ação, ele quebra ossos e todos os capangas que ele derruba no chão, eles ficam no chão, possuindo o que são facilmente as melhores e mais fantásticas cenas de ação do filme.

Especialmente aqueles com apenas o uso apenas necessário de CGI, mas deixando a fisicalidade real das habilidades do Batman dominarem a tela. Tanto na perseguição de carros épica e brutal, quanto na sua cena de luta que parece tirada direto dos jogos do Batman Arkham, com Batman enfrentando uma dúzia ou mais de homens sozinho apenas no tapa e porrada franca, sem piedade. Mas essa versão, frequentemente questionada e criticada da personalidade do “Batman assassino” no filme, não se trata de uma subversão gratuita e vazia do personagem, mas sim é mostrada, representada diretamente no contexto narrativo do filme, como o pior que a humanidade pode se tornar em seu ódio cego mais absoluto em uma busca cega por justiça e punição. E que é um dos motivos usados exatamente para criar a briga principal entre os dois heróis.

Clark não aprova os métodos brutais do morcego em combater o crime de Gotham com brutalidade e mandando mensagens marcando a ferro quente cada um dos criminosos que caem em suas mãos, e Superman ordena ao Batman que pare, usando seus poderes de superioridade sobre-humana para fazer tal promessa, mas que apenas faz o Batman ainda mais furioso e determinado. Porque?! Simples, Superman vê o Batman como o vilão, e vice versa. Com ambos perdendo a atenção, ou simplesmente ignorando, no caso do Batman, e rastreando o verdadeiro cérebro por trás de tudo, Lex Luthor, interpretado por Jesse Eisenberg.

Mais sobre o mesmo na: Parte 2.

Raphael Klopper – estudante de jornalismo

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