A Defesa Definitiva de Batman vs Superman: A Origem da Justiça

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Prosseguindo de onde estávamos, Luthor sendo a mente por detrás de tudo, e outra escalação do elenco do filme que não apenas divide opiniões, mas é muitas vezes severamente criticada como uma versão caricatural estúpida e “longe de ser leal” ao “real” Lex Luthor. Bem, se formos falar de leal, eles querem dizer em ter alguma relação com o Lex Luthor de Gene Hackman dos filmes do Superman de Christopher Reeve (que era dez vezes mais caricato e irritante – propositalmente e maravilhoso por isso claro – e usava peruca), então sim não tem fidelidade alguma para com aquela versão do personagem.

Então, basta aceitar que um Lex Luthor movido por interesses de monopolização imobiliária, com Superman sendo um obstáculo irritante em seu caminho, simplesmente não funciona mais hoje em dia. Assim como é completamente desagradável ouvir que essa é apenas uma caricatura ruim e nada fiel à encarnação de Lex Luthor. Bem, sim, é mais do que óbvio que a escolha de ter um Luthor de personalidade mais extrovertida é claramente uma inspiração tirada do Coringa do Cavaleiro das Trevas e sua personalidade disfuncional e caótica contrastando com a personalidade de seus heróis. E com seus planos que o mostram estar sempre um passo à frente de todos, e tem sucesso em cada passo que ele dá.

E a decisão de tornar Luthor em uma versão de um jovem empreendedor bilionário dos dias de hoje, é algo mais do que comum em nossa década desde o empreendedorismo online e etc, e que Eisenberg se encaixa como uma luva tendo o próprio já atuado como Mark Zuckerberg em Rede Social. Entregando um Luthor não só socialmente incomum, tentando forçadamente ser descolado e cínico (propositalmente), cheio de diálogos que variam do irritante ao engraçado e bem memoráveis; e dentro de seu interior, um intelectual de alto nível, extremamente perigoso e que constantemente se encontra em uma busca incessante descontrolada por poder e sua estatura acima de outros por sua superioridade intelectual.

Se mostrando como uma REAL e perfeita personificação da antítese do Superman, seu algoz e inimigo definitivo. Desde a personalidade exagerada; a mente brilhando orquestrando e desferindo golpes fatais sem nenhuma força além da do seu cérebro; tem sérios problemas paternais, contrastando Clark que teve dois pais que o amaram, Jonathan Kent na terra e seu pai “alien” kryptoniano Jor-El, que fora representado em uma figura de Deus dando à terra, seu filho – e Luthor despreza a Deus, o culpa por nunca intervir em seu sofrimento enquanto crescia com um pai abusivo.

Algo que vai em direto contato à representação de repudia e questionamento do homem contra Deus. Isso vai tanto desde Teologia Cristã, à própria Filosofia Grega com Epicuro questionando: “Se Deus está disposto a prevenir o mal, mas não é capaz? Então ele não é onipotente. Ele é capaz, mas tem não tem vontade? Então ele é malévolo. Ele é capaz e está disposto? Então de onde vem o mal? Ele não é capaz ou está disposto? Então por que chamá-lo de deus?”. Pode um deus cometer um erro tão estúpido? Pode um deus falhar?. Questões que basicamente se encontram intrínsecas dentro dos embates morais narrativa, e também cimentando toda a motivação por detrás da persona de Luthor.

Que tanto pode ser lida exatamente como essa inspiração filosófica, ou como é uma já estabelecida forma de pensar na geração millennial. Que é descrente de forças divinas, que vêem a noção do absolutismo de Deus, do bem e poderosamente onipotente, como uma mentira imperfeita, uma falsa bondade. Isso é Luthor em poucas palavras! Enquanto ele busca destruir a imagem perfeita do Deus Superman, sujando seu nome em frente à mídia com os atentados, feitos e pessoas que ele falhou em salvar, trazendo-o ao nosso nível de falha humana. Ilustrando assim, a verdadeira raiz de seu ódio, como sua ambição de se provar acima de Deus, com ciência, inteligência, o definitivo ateísta por assim dizer, movido à puro ódio. E nessa mitologia, de deuses entre os homens, não poderia ser mais adequado!

E o alcance da ameaça de Luthor como vilão são consolidados no momento em que ele é capaz de colocar um deus de joelhos à seus pés, e fazer com que o próprio Batman ignore completamente seus planos. Não só se mostrando o antagonista perfeito do Superman, como também do próprio Batman, pois assim como Bruce, Luthor também é um órfão bilionário, que quer matar o Superman, mas com outros métodos mais questionáveis do que o próprio Batman. Por mais tarde acaba cria a arma definitiva de destruição em massa, o próprio demônio do Doomsday, para ser usado apenas se Batman falhar em matar o Superman, ou se o Superman sobreviver à luta que Luthor planejou acontecer.

Puxando todos os cordões para atrair o ódio do Batman e a vontade do Superman para pará-lo, mesmo que, no final, contra sua própria vontade, sucumbindo ao desejo de Luthor e ter que enfrentar um inimigo indesejado, que ele implora para ouvir a razão e salvar sua mãe. Levando a luta final, que além de ser o confronto dos séculos em um filme de super-heróis, em uma sequência lenta e brutal de golpes e chutes, exatamente como se desenrolaria entre um deus e um homem se enfrentando. 

E em vista do seu contexto trabalhado em cima de arquétipos religiosos, que já vem desde Homem de Aço, e aqui estão mais fortes do que nunca, toda essa sequência inteira do embate entre Batman e Superman onde o Morcegão consegue vantagem contra o Superman, se usando da Kriptonita que o enfraquece, e tornando ele seu próprio saco de porrada, quebra uma pia na cabeça dele, lhe corta o rosto; pode ser facilmente vista como a própria flagelação de cristo, na mão dos homens, cegos em ódio contra uma força divina que duvidam como não compreendem. É a primeira vez que Superman sente dor, perde, fica vulnerável, ‘ele sangra’.

Para então no final, antes do golpe fatal de uma lança, Superman pede não por sua vida, mas pela da sua mãe, na extremamente polêmica e ainda constantemente ridicularizada cena da “Martha”. Que, tirando todas as piadas feitas a respeito, apenas encarem o simples fato: Batman não termina a luta contra o Superman porque de repente ele descobre que suas mães têm o mesmo nome (elas realmente têm nos quadrinhos), mas porque ele, naquele momento de ódio cego puro, reconhece Superman como apenas um homem – novamente voltando ao texto do Superman de Eco, o homem (Batman) vendo agora o Superman, o mito encarnado e endeusado, apenas como um homem, indefeso, e que prestes a morrer, implora por uma vida que não é a sua.

E com isso, a reação que se segue do Batman não é: “UOU MEU DEUS, NOSSAS MÃES TÊM O MESMO NOME, O QUE FOI QUE EU FIZ, CARA A GENTE TEM MUITO EM COMUM, A GENTE É MELHORES AMIGOS AGORA!“. A batalha contra o Superman é, em última análise, a realização de Bruce! Carregando uma sensação real de purificação, ou o início de uma, conforme ele acorda, renasce, sendo purificado de suas ações brutais, graças ao sacrifício do Superman. Dentro desse cenário, Batman pode ser visto como São Longuinho, o centurião Romano que trespassou o coração de cristo com a lança, e que no momento quando Superman diz ‘Martha’, é como Cristo derramando seu sangue sobre ele, a água do lado de Cristo que curou os olhos da alma de Longuinho (“Verdadeiramente este homem era Filho de Deus”). É ali que ele percebe que Superman/Cristo está longe de ser um falso profeta/monstro.

Recuperando uma fé perdida na humanidade que ele esqueceu, e adquire fé na bondade de Superman, assim como Longuinho se converteu e passou a acreditar em Cristo. Enquanto que, em um nível mais pessoal, Batman/Bruce Wayne, percebe seus atos cruéis, o monstro que ele estava se tornando, do mesmo nível dos vilões os quais jurou lutar contra, e agora, começa a se livrar desses caminhos e busca ser o herói que já foi, buscando justiça da maneira certa! Que faz Batman insistir em salvar Martha, quase em desespero, como uma prece de perdão – também para se livrar de um fantasma do passado, pedindo para que Superman socorra o centro da cidade onde Luthor está criando o Doomsday. Os dois enxergam a verdadeira natureza da moral de cada um, uma real bondade presente nas suas ações, aceitando a presença e existência de cada um no mundo (Deus perdoa o homem, e o homem aceita Deus).

Engatando o terceiro ato monstruosamente caótico, mas simplesmente tão prazeroso, que vai desde o Superman tentando enfrentar a criatura demoníaca de Doomsday – o demônio encarnado na terra – criada por Luthor, levando ele pra fora da terra, explodindo uma bomba nuclear e sobrevivendo; Batman esbofeteando e hospitalizando um armazém cheio de mercenários e fritando o último; e mais tarde, todos se unindo no épico embate final com a criatura do Doomsday, que até inspira a própria Mulher Maravilha (Gal Gadot, estreando no papel que a lançou em seu estrelato), auto-exilada da humanidade pelo seu descontentamento com eras de violência que ela presenciou no século XX, a voltar a pegar em armas e lutar pelo que é certo – proteger a humanidade.

Formando a trindade em cena de forma nada menos do que arrepiante em todos os sentidos que um fã poderia ser capaz de sentir. Seja pela trilha sonora épica com o tema “Is she with you?!” da Mulher Maravilha, ela completamente roubando a cena sendo quem a mais causa dano no monstrão, e sorri quando ela vai pro chão, claramente se divertindo com o desafio como ela não experimentava há anos! E só por interessante traço a ressaltar, a trindade, o pai – Batman, a velha alma que recupera fé na humanidade através de seu filho – Superman um cuja ações os inspiram o bem a se levantar contra o mal encarnado, trazendo o Espírito Santo – Mulher Maravilha a se apresentar à humanidade como sua grande salvadora.

E também é onde se concretiza o final do arco de Superman, que não encontra outra saída se não se lançar contra o demônio aparentemente invencível com a lança que o quase matou e dá um fim ao mal (Cristo perdoando/livrando o mundo dos seus pecados), se sacrificando em prol da humanidade. É por isso que a frase que Martha diz mais cedo no filme para Clark: 

Seja o herói deles, Clark. Seja o anjo deles, seja o monumento deles, seja o que eles precisarem que você seja. Ou não seja nada disso. Você não deve nada a este mundo. Você nunca deveu.”

Sintetiza a noção que já vinha sido desenvolvida desde o primeiro Homem de Aço, para agora. Ele não deve nada ao mundo, mas o escolheu, e mesmo que o mundo o recuse, ele vai ficar e lutar até o fim (nesse filme literalmente) por ele. Fica acima de nós humanos s, nossa política, nossos medos, ideologias e zela por nós, morre por nós, um herói REAL. É um testamento narrativo e visual do Superman como personagem e um mito vivo, mesmo em nosso mundo moderno real, ele pode trazer um senso de unidade, esperança, bondade e sacrifício! E então, cimentando o significado do subtítulo do filme, A Origem da Justiça, inspirando outros seres super-poderosos como ele, que habitam a terra, para se unirem e protegê-la.

Mas, mesmo depois de todas as mais do que extensas frases ditas, tanto que tivemos que dividir em dois textos, em última análise, este filme talvez não foi mesmo para você, e tudo bem. Nunca o quis ser para o gosto de todos, nem é justo culpar os filmes da Marvel e sua fórmula de sucesso de misturar aventura, ação e humor ao longo de milhares de personagens e histórias interconectadas. Eles têm sua própria chave garantida para o sucesso na receita do blockbuster, e o filme de Snyder não estava tentando fazer isso. Ele apenas buscou elevar o cinema de super-heróis a um nível que permitisse abordar e ser algo mais do que apenas entretenimento escapista, que este filme ainda é em muitos níveis!

Seja pela ação incrível, personagens totalmente realizados, um espetáculo digno de sua escala que é um marejar para os olhos, onde encontramos Snyder no auge de sua forma. Colocando sua visão transposta na tela em nível textual quanto visual, não focando em exageros e buscando contar sua história a todo momento, se usando de cada departamento de seu filme, desde a exuberante e para sempre marcante trilha sonora, o ousado texto às ótimas atuações. Com a cinematografia de seu antigo parceiro Larry Fong variando do típico festival estilizado de Snyder em sua melhor forma, para outros momentos atingir níveis barrocos dignos de Anthony von Dyck (especialmente na morte de Superman) e traços de Art Nouveau.

E por ser um filme adaptação de quadrinhos de super-heróis, que realmente fala profundamente sobre o verdadeiro sentido de heroísmo em nosso mundo. Mas também sobre o sentimento de impotência, o reconhecimento de nossas limitações e principalmente, no que tange ao que é bondade. Ainda mais em uma realidade onde bondade é vista como finita, impossível de alcançar, e em alguns casos, uma luta em vã; todas vertentes que se refletem nos próprios heróis e seus papéis nessa história. Mas, como mostrado com Superman, ele escolhe o fazer, lutar por ela apesar de tudo, e no final, os mesmos ‘supers’ alcançam de volta seus valores morais e se manter leais ao mesmo, apesar de quaisquer diferenças ideológicas pessoais, e se tornarem os heróis que já foram ou prometem ser!

Levando história a um nível mitológico épico, do mesmo nível de suas camadas e representações, da religião, ao mito, à filosofia pura. Como também em seu fundo, BvS é um filme sobre fé, ou melhor, a falta dela. A falta de fé, não apenas em Deus, ou na sua figura, mas sim no que ele representa, e no que ele pode nos inspirar para sermos melhores. Em meio a uma geração que extrai o mal de nossa intolerância, ódio, preconceitos, cegos para qualquer raciocínio. Mas que em seus heróis, graças ao legado deixado pelo Superman no final, permanecem unidos na esperança! “Os homens ainda são bons” – ouvir isso vindo do Batman velho e carrancudo, depois que todo o arco que seu personagem atravessou no filme, de um homem monstruoso dilacerado, para um cruzado redentor, se torna ainda mais ressonante hoje do que na época de seu lançamento!

Batman V Superman é a história mais antiga e clichê das histórias em quadrinhos, em que os heróis primeiro se enfrentam para depois resolver suas diferenças e unir forças contra uma ameaça maior. Que na verdade conta uma nova forma de história de origem para esses personagens, lida com o que o mito e a lenda falam sobre eles, desmistifica, questiona, para então, no final, os atesta em tragédia e glória, nos fazendo querer muito mais! Prometendo construir um universo próprio desses personagens, que se preocuparam antes de mais nada em elevá-los ao status de épico, assim como nos quadrinhos, e construindo algo totalmente diferente do que já havíamos visto antes.

Se ao menos o mundo (e os produtores executivos da Warner) tivessem deixado Snyder realizar sua visão, poderíamos ter tido finalmente esse tipo diferente de produção de filmes de super-heróis, com ambições maiores de ser algo mais do que apenas entretenimento, e sim tentar alçar o nível de uma verdadeira obra de arte dramática e complexa. Pretensioso, auto-indulgente, maçante?! Talvez, absolutamente! Mas eu, e muitos, não conseguimos sequer pensar em deixar de amar!

Mais sobre o mesmo na: Parte 1.

Raphael Klopper – estudante de jornalismo

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