Ruth de Souza, a mulher à frente do seu tempo

11 min. leitura

Nesta semana, apresento a vocês uma belíssima homenagem a Ruth de Souza, a primeira atriz negra a atuar no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e a primeira brasileira indicada a um prêmio internacional de cinema. Na Televisão, após passagens pela Tupi e Excelsior, chega à Globo, atuando em mais de 30 novelas ao longo de sua trajetória. A seguir, vamos relembrar parte de seu legado, que se findou em 2019, aos 98 anos.

O Início:

Foto: Divulgação

“Eu era apaixonada por cinema. Queria ser atriz, mas, naquela época, não tinha atores negros, e muita gente ria de mim: ‘Imagina, ela quer ser artista! Não tem artista preto’. Eu ficava meio chateada, mas sabia que ia fazer; como, não sabia.”

Ruth Pinto de Souza, filha de um lavrador e de uma lavadeira, nasceu no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, no dia 12 de maio de 1921. Ainda bebê, foi com a família para o interior de Minas Gerais, onde ficou até os 9 anos, quando o pai faleceu. Ela, a mãe e os dois irmãos voltaram para o Rio. E Ruth já sonhava, desde pequena, em ser atriz.

Ruth de Souza fez história ao se apresentar no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Foi no dia 8 de maio de 1945, em “O Imperador Jones”, de Eugene O’Neil, numa montagem do Teatro Experimental do Negro, grupo fundado por Abdias Nascimento e Agnaldo Camargo. E seu feito ajudou a abrir caminho para o artista negro no Brasil.

E a partir daí, a menina de origem pobre despontou para o sucesso. Em 1948, ganhou uma bolsa de estudos da Fundação Rockfeller e foi estudar na Howard University, uma universidade exclusiva para negros, em Washington. Nos Estados Unidos, também frequentou a escola de teatro Karamu House, em Cleveland, Ohio.

A Carreira na TV:

Ruth em cena com Milton Gonçalves em “O Bem-Amado” (Foto: Divulgação)

“Uma grande vantagem do ator é poder fazer um trabalho que, se for bom, o público não esquecerá”.

Na televisão, foi uma das pioneiras. Participou de programas de variedades e musicais no início das transmissões da Tupi, até adaptar para a televisão, com Haroldo Costa, a peça “O Filho Pródigo”, que havia encenado no Teatro Experimental do Negro.

Após “Deusa Vencida” (TV Tupi – 1965), sua primeira novela, Ruth teve passagens pela Record e pela Excelsior. Em 1968, Ruth de Souza foi contratada pela Globo para atuar na novela “Passo dos Ventos”, onde interpretou a mãe de santo Tuiá, uma mulher sábia cujos antepassados eram escravos, no Haiti. Em entrevista ao portal Memória Globo, ela conta sobre a experiência.

“Era muito agradável, havia muito entusiasmo de todo mundo. Sabe aquela coisa de ‘o que vamos fazer agora?’, querendo continuar o trabalho. O ator nunca quer parar”.

Em “A Cabana do Pai Tomás” (1969), de Hedy Maia, foi Tia Cloé, uma das líderes do movimento que levou à abolição da escravidão nos Estados Unidos, dividido pela Guerra de Secessão:

“Eu fazia a mulher do Pai Tomás. Foi um sucesso muito grande, todo mundo me chamava de Tia Cloé”.

Na década de 1970, Ruth de Souza participou de clássicos da dramaturgia da Globo, como “Pigmalião 70” (1970), “Os Ossos do Barão” (1973), “O Rebu” (1974), “Helena” (1975) e “Duas Vidas” (1976).

Em 1977, a atriz fez parte do elenco de “Sinhazinha Flô”, novela ambientada em 1880, época de grande efervescência política, tendo como pano de fundo a luta abolicionista e o movimento pela emancipação da mulher. “Em Sinal de Alerta (1978)”, Ruth de Souza viveu a operária Adelaide. Ela se uniu à Consuelo (Isabel Ribeiro) na luta pelo meio ambiente, contra a fábrica de fertilizantes e inseticidas em que trabalhava. Em “Sétimo Sentido (1982)” interpretou Jerusa, governanta da residência dos Rivoredo, tendo criado os filhos de Santinha (Eva Todor).

A Parceria com Grande Otelo:

Ruth e Otelo, a dupla fez grande sucesso em “Sinhá Moça” (Foto: Divulgação)

Com Grande Otelo, fez uma dupla inesquecível em “Sinhá Moça” (1986), de Benedito Ruy Barbosa. Ela viveu a escrava Ruth, e Grande Otelo, Justo.

“Do meio para o fim, eu e o Otelo tomamos conta da novela, porque os personagens eram muito divertidos. Eram dois maluquinhos”.

A atriz já havia atuado em uma adaptação de Sinhá Moça para o cinema, em 1953, e por isso conhecia bem o texto. Mas, na novela, cabia o improviso. Apesar de dizer que improvisar não era o seu forte, Ruth de Souza acompanhava o ritmo de Grande Otelo, na sua opinião, “um ator completo, um gênio”.

Em “Mandala” (1987), de Dias Gomes, voltou a atuar com o ator, formando com ele, Milton Gonçalves e Aída Lerner a primeira família negra de classe média da TV brasileira. Já tinha recebido papel de destaque em outra trama de Dias Gomes, “O Bem-Amado” (1973), quando interpretou Chiquinha, a esposa de Zelão das Asas (Milton Gonçalves). “Eu tenho grande respeito pelo escritor. Escrever não deve ser fácil. Eu não mudo nada, nem em teatro”.

A Carreira no Cinema:

Ruth de Souza em cena do filme Sinhá Moça, dirigido pelo argentino Tom Payne (Foto: Divulgação)

A atriz estreou no cinema por indicação do escritor Jorge Amado em “Terra Violenta” (1948), adaptação do romance “Terras do Sem Fim”, dirigida por Tom Payne. No mesmo ano, atuou ao lado de Oscarito em “Falta Alguém no Manicômio”.

Fez mais de 30 filmes, incluindo “Sinhá Moça”, também de Payne, que a levou a concorrer ao prêmio de Melhor Atriz do Festival de Veneza de 1954 – e que considerava o seu “cartão de visita”, porque “no cinema, se é uma boa história, fica para a vida toda”. A atriz esteve também no clássico “O Assalto ao Trem Pagador” (1962), de Roberto Farias; e “As Filhas do Vento”, de Joel Zito Araújo, com o qual foi premiada no Festival de Gramado de 2004.

Sua admiração pelo cinema vinha também do fato de conceder mais espaço, em sua opinião, a atores negros. Para Ruth de Souza, o preconceito sempre foi uma realidade com a qual precisou lidar.

“O cinema sempre deu mais oportunidade para o negro, desde o Grande Otelo. Eu tive sorte na continuidade de trabalho, tanto no teatro quanto na televisão: nunca parei nesses 50 anos. Sempre tive trabalho, mas são poucos os negros que têm. Isso foi bênção de Deus”.

Outros Trabalhos:

Ruth na novela “O Clone” (Foto: Divulgação)

Multifacetada e de um talento como poucos, Ruth de Souza atuou em outros trabalhos que são reconhecidos até hoje pelo público, entre eles: “O Clone” (2001), de Glória Perez; “Memorial de Maria Moura” (1994), adaptação do romance homônimo de Rachel de Queiroz, escrita por Jorge Furtado e Carlos Gerbase; “Quem é Você?”, novela de Ivani Ribeiro e Solange Castro Neves, em que viveu Isolina, uma ex-pianista, moradora de uma casa de repouso; “Amazônia – De Galvez a Chico Mendes” (2007), de Glória Perez; e o seriado “Na Forma da Lei”, como a Velha Oxalá (2010).

Sua trajetória foi marcada por papéis em novelas de época – gênero da teledramaturgia que achava muito interessante.

“Eu adoro fazer novelas de época. Exige uma postura diferente, um andar, roupa. Não sou saudosa de passado; é que era realmente muito mais elegante, o espetáculo era mais bonito”.

Na TV Globo, foram mais de 40 papéis distribuídos entre minisséries, especiais e novelas. Seu último trabalho na Globo foi uma participação na minissérie “Se Eu Fechar os Olhos Agora”, em 2018. Ruth de Souza faleceu no dia 28 de julho de 2019, aos 98 anos, no Rio de Janeiro, devido a complicações derivadas de uma pneumonia.

Google homenageou Ruth de Souza, atriz brasileira que faria 100 anos no dia 12 de maio de 2021 (Foto: Reprodução/Google)

Como já dito, Ruth de Souza era um grande talento. Uma pena que em boa parte de sua trajetória na TV foram oferecidos papéis de pequeno porte comparado a nomes como Fernanda Montenegro e Lima Duarte. Mas independente do personagem, Ruth dava o melhor de si e interpretava com total maestria e excelência, afinal, o legado proposto pela atriz fez com que outros negros se inspirassem e conquistasse o seu próprio espaço na mídia, são eles, Thaís Araújo e Lázaro Ramos.

Que a trajetória de Ruth de Souza sirva de lição para nossa sociedade e indústria do entretenimento, que deve se tornar inclusiva, diversa e antirracista. Esta seria a maior homenagem que o Brasil poderia conceder a Ruth de Souza em seu centenário.


Gabriel Ferreira – Estudante de Jornalismo

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