Rio, 40 Graus — Identidade nas Ruas

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Em dias frios, qual é a ironia de se escrever sobre um dia ensolarado e calorento típico do Rio de Janeiro?! Pode até ser clickbait, como também é uma boa desculpa para se relembrar de um dos mais importantes clássicos de todo o cinema Nacional, e cuja grandiosidade ainda se comprova ainda se atesta até hoje!

Para analisar o tamanho do grau de importância que a obra-prima de Nelson Pereira dos Santos possuiu para o restante do cinema brasileiro em sua época (e até hoje), e para as gerações de novos cineastas no qual influenciou e mudou a nossa forma de encarar e fazer cinema; apenas seria saturar, ainda mais, uma colheita sempre frutífera de discussões argumentos e aclamações para com o filme. Mas é uma importância que merece ser relembrada e exaltada sempre que possível sobre a grandeza que está presente na obra-prima que é Rio 40 Graus. Um filme que teve a tenacidade e a força criativa que lhe permitiu vencer a censura de seu tempo, ultrapassar e revolucionar moldes de se criar cinema no Brasil, e mostrou o retrato mais honesto de sua sociedade e cultura até então.

Tudo empacotado em uma ambiciosa, mas textualmente simples narrativa com várias diferentes histórias acontecendo simultaneamente no mesmo dia quente na cidade Carioca e se cruzando aqui e ali, e sendo conjurada de forma extremamente eficaz através de uma direção classuda, direta e concisa, perfeitamente calculada em tudo que busca capturar e ainda o faz com extrema naturalidade e vivacidade. Mostrando todas as faces e arquétipos conhecidos da identidade brasileira, principalmente do Carioca, e explorando seu dia-a-dia na cidade, seu cotidiano agitado, seus conflitos pessoais e seus desejos e sonhos quase fantasiosos frente a uma dura realidade.

Desde o lutador de capoeira truculento querendo conquistar a garota que gosta a qualquer custo, enquanto ela está pra se casar com um moço de boa índole; um casal jovem de uma boa moça e um soldado irresponsável enfrentando uma gravidez prematura; um jogador de futebol renomado perdendo sua estima para um mais novo que está para substituí-lo à pedido dos financiadores e indo contra o gosto da torcida; um coronel político visitando a cidade e se encantando por suas belezas locais; os vários turistas locais que aparecem de hora em hora esbanjando ora riqueza bens de vida, e outros encantados com a beleza do Brasil, mas o definindo como simples primitivo; ou os 5 meninos de periferia vendedores de amendoim querendo apenas descolar uma grana, a maioria para comprar uma bola de futebol enquanto um deles apenas quer o sustento necessário para cuidar e sustentar a mãe doente.

Onde todos os palcos se moldam entre si, indo dos morros das favelas com pessoas pacata vivendo em uma real harmonia humana, cheia de brigas casuais e relações apropriadamente cômicas; indo às praias dos bairros ricos onde os classe alta curtem na praia de Copacabana em meio a fofocas, o espelho da vida fácil e sem preocupações, e de personalidades com julgamentos fáceis contra “pessoas de rua”. E é nesse palco multiétnico e social em que Nelson Pereira dos Santos mostra uma forte influência do Neorrealismo italiano, principalmente dos filmes de Roberto Rossellini onde o próprio titulo alude à Roma, Cidade Aberta ou Alemanha, Ano Zero, em um intuito criativo extremamente honesto e com imenso louvor e respeito à esse cinema do exterior e o adaptando no meio do Brasil para capturar essa realidade em sua mais pura essência do ‘real brasileiro’.

Criando uma narrativa fundada dentro de coloquialismos e gírias que apenas cimenta o nível de humanização que é posta e refletida na tela em cada personagem. Onde vai-se da comédia, ao drama, à tensão e até breves cenas de ação (?!) como forma de também refletir os diferentes arcos de cada ponto da história e da cidade, e todos os tons de cinza e cor que vivenciamos no nosso cotidiano. Não só estava realizando uma total revolução nas técnicas narrativas e abordagens dramáticas, apostando nesse tom documental e vivido das ações e eventos em cena capturados com uma naturalidade presencial e um senso de inocência tão honestos, e também nas atuações do vasto elenco, cruzando entre profissionais e não profissionais que se misturam de forma quase indistinguíveis.

Mas acima de tudo, “Rio, 40 Graus” se demonstra como uma celebração viva de nossa identidade cultural, assim como uma lamento de nossas mazelas sociais. Do preconceito que separa classes e raças, da violência que permuta à inocentes e vem como uma tempestade bruta e seca quanto se menos espera. E no mesmo lado e campo de vista temos pessoas buscando ser felizes, alçando os altos que lhes parecem impossíveis e vivendo a vida da melhor forma que conseguem. Há uma esperança fundada dentro da tragédia, onde em um cotidiano agitado, em que lágrimas e sangues são derramados, também são risos histéricos e momentos celebrativos, como se ambos fizessem parte do mesmo ser que é o Rio de Janeiro representado aqui como um coração Brasileiro.

É um aperfeiçoamento do cinema Neorrealista nesse sentido, mas também algo que possui sua identidade própria, de caos e paz, lutas e abraços, inimigos e amizades, sonhos e crueldade, uma luta cotidiana do sobreviver ao presente e ainda manter viva a esperança de alcançar um futuro distante e imprevisível no amanhã, a linguagem definitiva do brasileiro, uma de impacto, de fator esperançoso e calamitosamente real para sua época, e ainda podendo ser refletida até hoje. Entre suas histórias paralelas e as identidades de classes que cruza e explora, tudo vai de encontro a uma ideia pura dentro de sua essência, na qual Nelson busca tratar: não importa a distância que nos separa entre cor, raça, ou classe. Todos somos iguais na nossa língua, nos nossos conflitos, nas nossas dores, nos nossos sentimentos e no nosso amor ao futebol e ao carnaval.

Definitivamente uma das mais puras cartas de amor à sua cidade, como também ao seu povo e sua nação. E uma que se é capaz de atravessar línguas e realçar seu brilho e poder para tantos outros em um valor de fator universal!


Raphael Klopper – estudante de jornalismo

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