Quando é que acontece de sermos tão, mas tão educados, que desrespeitamos a nós mesmos?

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Na sociedade em que vivemos, somos instigados a ultrapassar nossos limites o tempo todo. Precisamos ir sempre além daquilo que podemos dar conta, os problemas passaram a ser desafios com fórmulas mágicas para lidar com eles e, desse modo, quase não percebemos que não respeitamos nosso tempo e nossos desejos, e o quanto isso tem sido prejudicial a nossa saúde mental, podendo nos machucar até.

E do modo que, muitas vezes, somos cobrados a ultrapassar nossos limites, por vezes exigimos do outro algo semelhante, mas é importante lembrar que, acima de tudo, somos humanos. Um limite para mim é uma possibilidade de chegar perto de algo, mas nem tanto que se esbarre no objeto ou na outra pessoa, ou seja, é um modo de circunscrever seu perímetro ou estabelecer suas prioridades para conviver com os outros, e vice-versa, e é desse limite que falo agora.  

E você sabe de fato quais são os seus limites? Você consegue reconhecer quando os seus limites foram ultrapassados e, mesmo assim,  costuma desrespeitá-los? 

Quando fiz o curso de Yoga Massagem Ayurvédica, o professor ensinava que, ao final da massagem completa, nós deveríamos colocar a mão sobre o peito do massageado e dizer: “o que é meu, fica comigo, e o que é seu segue com você”. Pode ser uma explicação meio superficial ou esotérica, mas ela nos fala muito sobre o que dever ser “separado” de mim. Nesse sentido, o limite nos ajuda a saber o que é meu e o que é do outro.

Se sou convidada a ir à casa de alguém, qual é o limite que posso ultrapassar se não conheço os donos dela? Geralmente, eu perguntaria onde fica o banheiro e onde se colocam as bolsas, e geralmente eu não iria a áreas reservadas à intimidade dos donos sem ser convidada. Esse pode ser um limite a não ser “ultrapassado”. Quando não temos a clara noção de limites, invadimos o espaço alheio ou permitimos que nossa “propriedade” seja invadida pelo outro – seja ela uma casa ou meu corpo –, causando problemas em nossas relações. Então, por que não criar “regras” para que os outros entendam também quais são nossos limites?

Foto: Divulgação

Mas há uma regra para o estabelecimento de limites?

Sempre fomos educados para não ser desagradáveis e hostis para com os outros, principalmente os mais velhos. Buscar nossas necessidades sempre ficou em segundo plano, quando se trata de ter educação em primeiro lugar.

Na sociedade, as leis foram criadas para educar e controlar nossos desejos, mas o limite, de que tratamos aqui, é algo pessoal e individual. É necessário autoconhecimento para reconhecer nosso limite, que é um dos primeiros passos em busca de qualidade de vida e saúde mental. Não existe um manual para isso, e somente você pode dizer o que gosta e o que não gosta, o que é adequado ou não, o que precisa na sua vida, o que está bom e o que precisa melhorar. Portanto, é o autoconhecimento que me permite legitimar o meu sim ou meu não, sem pensar se vou agradar ou não, ou ter qualquer sentimento de culpa. 

Várias áreas da nossa vida são permeadas por limites que precisamos estabelecer para viver melhor: a área de relacionamentos em geral, o setor financeiro, a administração do tempo, do sono e de uma boa alimentação. Quando eu não sei dizer não, no trabalho, por exemplo, quando me pedem alguma ajuda ou a atenção para execução de uma tarefa, e sei que não terei condições ou tempo hábil para realizá-la, e, mesmo assim, minha resposta é sim, posso perceber que isso estará prejudicando claramente a mim mesmo, ou ao outro. Se não houvesse condições razoáveis para realizar a tarefa ou ela estivesse acima de minhas forças, claramente deveria desconfiar que estou “forçando” meus limites. Quando entendemos o que é limite, passamos a entender, por exemplo, que é preciso deixar de fazer o que é do outro, ou o que lhe cabe por responsabilidade, para passar a nos responsabilizar por aquilo que é nosso, com dever ou direito. Costumo dizer que meu direito vai até onde começa o do outro e vice-versa, concorda?

Outra situação em que podemos perceber que excedemos nosso limite é quando nos anulamos. Sabe aquele relacionamento de casal em que apenas um dos envolvidos opina sobre coisas que vão influenciar na vida dos dois? Apenas um decide que filme ver, com quais amigos, onde será o jantar no final de semana ou para quais lugares irão no futuro e se você está lá nele. Sabe quando não nos sentimos à vontade para discordar de alguém que nós amamos? Quando aquela frase “pisando em ovos” se torna comum ao falar algo para aquela pessoa? Isso não é amor, pois amar é completamente diferente de se sujeitar a tudo sem questionar.

Portanto, desrespeitamos nosso limite quando permitimos que as pessoas invadam nosso espaço, ou quando invadimos o espaço dos outros. Essas são algumas formas de desrespeito. Geralmente quando é você a invadir o espaço do outro, você nem repara muito, né? Mas quando você se sente invadido, aí sim, o estresse se instala. O maior problema está quando a pessoa sofre por não conseguir expressar para o outro aquilo que quer, precisa ou realmente sente, aquilo que a incomoda e não quer receber nem de presente. E se você é a pessoa em questão, comece a se conhecer para poder saber expor para o outro até onde ele pode ir, sem precisar agredi-lo.

Foto: Divulgação

Você sabe criar os limites necessários?

As relações mais íntimas, que envolvem família e parentes, são as que mais sofrem com a falta de limites. Vínculos saudáveis exigem diálogo, troca e sinceridade. Quando estabeleço limites, meus desejos e minhas intenções vão ficando mais claros, e permito que o outro me conheça melhor. Você pode começar, por exemplo, ao se expressar com frases assertivas, mas gentis, como: “Quando você age dessa forma, me chateia.”, “Vou precisar de sua ajuda nisso.”,“Neste momento, sua ajuda não é relevante, obrigada.”, “Sinto-me mal, quando você fala desse jeito.”, “De que forma posso te ajudar?”, “Infelizmente hoje não estarei disponível, podemos marcar outro dia?”, e assim por diante.

Essa pode ser uma das formas de criar prioridades e expressá-las. Comunicar-se é uma tarefa fundamental, porém árdua para alguns. Há quem faça isso leve e gentilmente, mas não são todos que já nascem sabendo lidar com essas questões. Estar em equilíbrio para isso é estar consciente de como o nosso corpo e mente estão lidando com os eventos do dia a dia. Ao comunicar nossos limites a nós mesmos e aos outros, estamos nos respeitando e considerando a pessoa. Então, que tal você começar por estabelecer os seus limites sem precisar ser mal-educado? 

Bora testar?

Beeeiju no coração e na alma.


Janice Mansur é escritora, poeta premiada, professora, revisora de tradução e criadora de conteúdo.

Visite a autora também no site do Jornal Notícias em Português (Londres) e na Academia Niteroiense de Letras.
Canal do Youtube: BETTER & Happier
Instagram: @janice_mansur

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