Ruth Rocha, uma das mais célebres escritoras da literatura infantil brasileira, defendeu em uma entrevista recente à DW uma visão interessante sobre o futuro do livro em meio às transformações tecnológicas. Questionada sobre o impacto da tecnologia na literatura, a consagrada escritora fez uma distinção clara entre esses dois universos. Segundo ela, enquanto a tecnologia ocupa cada vez mais espaço em nossas vidas, a literatura preserva um lugar próprio, inabalável. Esse espaço é único, e a experiência proporcionada pelo livro, com todos os seus aspectos sensoriais, como o cheiro do papel, é insubstituível. Para Ruth Rocha, o livro, com sua materialidade e valor afetivo, jamais será suplantado.
A afirmação da escritora trata-se de uma reflexão sobre a natureza da literatura. A literatura não compete com a tecnologia no sentido de substituição. Ao contrário, ela representa uma forma de conexão com a imaginação, com o mundo simbólico, e com a experiência humana que dificilmente poderiam ser replicadas em um ambiente puramente digital. A tecnologia pode facilitar o acesso à informação, acelerar processos de comunicação e ampliar fronteiras, mas o que a escritora destaca é a conexão íntima e transformadora do livro físico.
Esse olhar confiante sobre a permanência da literatura ganha ainda mais peso quando se consideram os impressionantes números que marcam a trajetória da escritora brasileira. Com mais de 200 livros publicados, 40 milhões de exemplares vendidos e obras traduzidas para mais de 25 idiomas, ela se consolidou como uma autora que fala diretamente aos corações de gerações de leitores. Entre suas conquistas, destacam-se os oito prêmios Jabuti e o reconhecimento internacional que veio com a inclusão de seu livro “O Reizinho Mandão” na lista de honra do prêmio Hans Christian Andersen. Esses feitos não só solidificam sua relevância no cenário literário, como também evidenciam a universalidade de suas narrativas.
Ao afirmar que “o livro nunca vai acabar”, Ruth Rocha não está apenas manifestando uma crença pessoal, mas ecoando o papel perene da literatura na cultura humana. A digitalização pode transformar a forma como consumimos histórias e informações, mas o vínculo emocional, intelectual e físico que muitos leitores têm com o livro impresso sugere que a literatura não se trata apenas de conteúdo, mas de uma experiência tangível e integral.
A reflexão de Ruth Rocha nos convida a reconsiderar nossa relação com a tecnologia e a literatura. Em vez de ver o digital como uma ameaça à leitura tradicional, talvez seja mais produtivo encará-lo como um complemento, uma nova forma de acesso e democratização do conhecimento. No entanto, o valor do livro físico, como apontado pela escritora, reside em suas características imateriais: no ato de folhear suas páginas, no prazer de se perder em uma narrativa sem as interrupções que a conectividade incessante nos impõe. O livro impresso, portanto, não só sobrevive, como resiste como um espaço de introspecção e imaginação em um mundo cada vez mais veloz e superficial.
O legado de Ruth Rocha, tanto em números quanto em impacto cultural, é uma prova viva de que a literatura mantém sua relevância, adaptando-se, sim, mas sem perder sua essência. Ao nos lembrar de que o livro “nunca vai acabar”, ela reforça a importância de preservarmos esse espaço único de reflexão e encantamento, essencial para a formação de leitores críticos e sensíveis, capazes de navegar tanto pelo mundo físico quanto pelo digital.
João Paulo Silva – @oviajantedasestrelas