Não somente baseados no senso comum de que o amor é algo mais duradouro que a paixão, diz a psicanálise que o amor pode acontecer proveniente dela. A paixão acontece às vezes quando dois olhares se cruzam, quando duas pessoas se atraem eroticamente, quando você começa a encontrar semelhanças no outro por meio da projeção, quando você começa a pensar que encontrou sua alma gêmea e que tudo aquilo vai durar para sempre. Poderíamos falar do apaixonamento somente pelo ângulo afetivo-emocional, mas ele inclui nossa bioquímica já que somos seres de carne e osso, ou seja, ele também altera muitas funções do corpo, pois também é um fenômeno fisiológico. Nessa troca de olhares, beijos, abraços e tudo o mais, nesse interesse pelo outro nosso cérebro também libera hormônios em grande quantidade, como dopamina, serotonina, endorfina e a ocitocina que estaria envolvida também no orgasmo, por exemplo. O famoso frio na barriga, o suadouro nas mãos, a tremedeira nas pernas são parte desse sistema complexo de funções afetivo-emocionais e interpretações simbólicas que também ocorrem neuroquimicamente, embora caminhem para além disso.
Se posso brincar e criar um resumo para um relacionamento afetivo, diria assim: a pessoa vende o peixe dela com escamas douradas, você vende o seu com prateadas; depois ambas descobrem que o peixe não estava bom para o consumo. Quando digo isso, algumas pessoas ficam horrorizadas, pois não acreditam, na verdade, não podem imaginar, que nesse mecanismo de venda de si e seus atributos (o peixe) está embutida toda essa série de relações que expliquei no parágrafo anterior.
Segundo a perspectiva psicanalítica podemos dizer que quando a projeção de conteúdos inconscientes se faz presente, o que ocorre é uma “não relação”, ou seja, o indivíduo acaba por manter uma relação ilusória com o outro. Certa idealização. O outro é perfeito e tudo aquilo que eu sempre quis, pressupõe o apaixonado. Esse tipo de relacionamento pode acarretar prejuízos à subjetividade, por gerar crises quando a realidade aos poucos se impõe. Desse modo, quando as pessoas envolvidas na relação percebem que o peixe lindo que o outro vendeu, foi altamente ampliado, adornado e fantasiado por seu próprio desejo, aí é que acontecem os desentendimentos, pois o véu da ilusão se rompe, e é nessa hora que ambos identificam que esses “peixinhos” não estão bons para consumo. Então, com o passar do tempo, as pessoas começam a se enxergar com suas qualidades e defeitos, e as acusações começam: “você não era assim quando eu te conheci”, “você mudou tanto!”. Você já passou por isso ou algo semelhante?
Perguntaram-me esses dias na clínica, se o amor-platônico também tem o mesmo mecanismo do apaixonamento. Semelhante sim, mas a pessoa inalcançável desse tipo de apaixonamento está somente na fantasia e bem distante, um professor/a, um amigo ou amiga de infância, ou o médico ou médica casados da família. O amor-platônico aponta para a impossibilidade, e isso faz com que se movimentem dentro de nós aquela os velhos esquemas conceituais que dizem que o que é proibido é mais desejável, excitante e, portanto, o grau de idealização é ainda maior. A interdição é um caminho interessante para aquele que quer ficar no plano da fantasia, talvez porque já tenha encarado o real de perto, sofrido processos de rejeição, ou algo mais. Eu gosto, admiro, idolatro quem está longe e posso colocar sobre ele todos os meus sonhos e desejos, como ocorre o apaixonamento pelo príncipe encantado dos contos de fadas. Porém, como os contos desse gênero são para distrair e encantar, os homens e as mulheres que lá habitam são perfeitos e totalmente distantes da realidade que conhecemos. É muito comum na adolescência principalmente alimentarmos o amor-platônico por um artista. Eu mesma já fui “apaixonada” por Elvis Presley e John Travolta. Mas há pessoas que arrastam as fantasias para a fase adulta, e aí a coisa pode complicar, e muito.
Você hoje está apaixonada/o ou sofre de amor-platônico?
Conta aí.
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Foto: Jose D’Alessandro
Janice Mansur é escritora, poeta premiada, professora, revisora de tradução,
criadora de conteúdo e psicanalista (atendendo online).
Contemplada no Top of Mind Awards Internacional UK 2022,
na categoria Escritora Destaque do ano.
Canal do YouTube: BETTER & Happier Instagram: @janice_mansur