Insegurança sem fronteiras

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Se fosse possível apontar um diagnóstico atual para o mundo, seria a presença de sequelas por tempo indeterminado. A pandemia ainda perdura e sabe-se lá quando terá seu fim, obrigando a todos uma adaptação contínua a essa vida caótica que se instalou em 2020. 

Muitas profissões tiveram que ser moldadas diante a situação, impondo um grande desafio inesperado em variadas rotinas pessoais. O conceito de trabalhar em casa já estava em alta muito antes, mas se tornou um padrão de urgência como solução. Foi aceito? Está em andamento. 

A pauta da falta de produtividade no meio online se tornou polêmica em tempos de pandemia. Professores e alunos, por exemplo, compartilham do mesmo medo; ter que voltar às salas de aula com o alto risco de serem contaminados pelo vírus, ao mesmo tempo que o novo método de ensino online não seja o suficiente para o aprendizado. 

Foi nesse contexto que conversei virtualmente e brevemente com Esra Aydın, professora de Inglês de 23 anos e da Turquia, e Orlando Santos, professor de português e literatura de 67 anos e do Brasil. São nacionalidades diferentes, mas ambos professores com unânimes inseguranças. Em um bate-papo completamente espontâneo e descontraído por já ser próxima à jovem e por ser uma antiga aluna de Orlando, os dois confessam que a entrevista é a chance de aliviar a angústia que se faz presente diariamente em seus trabalhos. Diante as informações declaradas, é notável a grande diferença em relação em como as medidas protetivas foram tomadas mediante ao primeiro caso de COVID-19 sendo confirmado entre seus países de origem; onde a Turquia adotou rapidamente o isolamento social em todo o território após o primeiro caso de infecção, enquanto no Brasil aconteceu apenas um mês depois. 

Esra atualmente leciona Inglês por aula remota, visto que um novo lockdown foi imposto na Turquia até o dia 17 de maio depois de uma alta no número de infectados pelo vírus. (Créditos: acervo pessoal com permissão da entrevistada)

Ana Luiza Portella – Como a pandemia afetou você, como profissional da educação, e os colégios da sua região?

Esra Aydın: Antes que os casos atingissem um ponto alto, escolas públicas e privadas foram fechadas. Nas primeiras semanas, o Ministério da Educação começou a dar continuidade às aulas na televisão para todos os alunos e séries. Pouco depois, eles estabeleceram um site de ensino online onde os professores têm suas aulas via Zoom. As escolas não abriram novamente até o segundo semestre de 2020, por um curto período de tempo. A partir de fevereiro de 2021, as escolas foram abertas para algumas séries, com muitas mudanças acontecendo. O número de casos ainda é muito alto, então só ensinamos alunos da 8ª série presencialmente, e outros continuando o aprendizado online.

Orlando Santos: Bem, isso aqui acaba por servir de um desabafo. Obrigado, antes de mais nada. A partir dessa pandemia, acredito que todos nós, professores, tivemos que aprender de maneira urgente a lidar com uma ferramenta com a qual não tínhamos a menor noção e os colégios nos jogaram nessas plataformas virtuais sem muita orientação. 

Foi difícil se adaptar a essa nova rotina? Acha que ainda não se adaptou por completo?

E: Com certeza. Especialmente mentalmente. Todos, incluindo professores, alunos e pais, estavam mais ansiosos do que nunca. E os alunos perdiam muito o foco nas aulas. O ensino online foi uma experiência totalmente nova para mim, já que nunca ensinei via Zoom ou qualquer outra plataforma online. Cada professor, especialmente os mais velhos, demorou muito para se acostumar com isso.   

O: Ainda estou me adaptando, uma vez que a tecnologia em alguns momentos falha; então o áudio não funciona, em outros momentos quando estamos no híbrido o aluno não visualiza direito o quadro porque a câmera está embaçada… Enfim, um aprendizado.

Aula remota tem sido, desde o início, um desafio para as crianças e jovens. Quais foram os métodos usados para manter a atenção de seus alunos? 

E: Com os alunos olhando para uma tela por mais de 4/5 horas por dia, eles definitivamente perdem a capacidade de se concentrar no que está sendo ensinado e se entediam facilmente. Acho que minha universidade me preparou para esse desafio, pois sempre aprendemos sobre novos e diferentes métodos e ferramentas. Eu integrei muitos jogos e questionários divertidos ao meu ensino para manter a atenção deles. Às vezes, eu aproveitava para perguntar sobre seus dias e ter uma espécie de conversa amigável para aliviar suas mentes e controlar a ansiedade.

O: Na verdade, quando estávamos na aula presencial já era bem difícil manter os alunos atentos. Nas aulas online, tentei trazer música, poesia, trechos de peças de teatro mesmo; porque minha matéria, por ser português e literatura, permite esse tipo de recurso. Além disso, faço com que os alunos participem da aula lendo trechos de alguns textos. Por outro lado, como você bem sabe, que já foi minha aluna, eu falo e faço muita maluquice pra quebrar um pouco a monotonia. 

Mesmo havendo um óbito a cada 89 segundos e sendo um método cientificamente aprovado, o lockdown ainda não é decretado no Brasil, forçando trabalhadores a se arriscarem diariamente em transportes públicos. Ainda à espera da segunda dose da vacina, Orlando, como professor, se sente apreensivo com suas rotinas em sala de aula. (Créditos: acervo pessoal com permissão do entrevistado)

Como lidar com a pressão de voltar às salas de aula em tempos de pandemia? 

E: Sei que muitos dos meus colegas não compartilham do meu medo da pandemia. No entanto, achei mentalmente muito cansativo começar a dividir um espaço com alunos e professores depois de tanto tempo separados. É uma ansiedade constante, uso de máscara dupla e provavelmente um uso excessivo de álcool-gel. Embora todos usem máscara, os alunos ainda se aproximam e nós usamos os mesmos objetos da sala de aula, que me levam a higienizar tudo. Ainda estou lutando, mas tento parecer mais relaxada para meus alunos.

O: O medo me espreita a todo momento. Os colégios particulares tiveram num primeiro momento que reduzir a mensalidade, porque os pais haviam reclamado que, pelo menos, deveria ser amenizada. Sendo assim, nosso salário acabou sendo reduzido 30%. Por outro lado, nós professores ficamos expostos, uma vez que o deslocamento é muito ingrato até chegarmos na instituição de ensino. E tudo acaba virando uma bola de neve, então o mais cômodo é jogar o professor na arena para que os leões nos devorem. O econômico fica na frente do humanitário.

Como é o seu trajeto até a instituição de ensino em que trabalha? Frequenta conduções públicas ou o percurso é feito de carro? 

E: Eu ensino em uma pequena vila, Elmalı Köyü, que fica a 20/30 minutos do centro da cidade, Rize. Pego o ônibus duas vezes por dia e o compartilho não apenas com os alunos, mas também com as pessoas que estão morando ou viajando para aquela vila. Geralmente está cheio, o que é um dos motivos pelos quais me sinto ansiosa a caminho da escola.

O: Saio de casa, na Tijuca, pego o metrô, salto no Largo da Carioca e vou a pé até o terminal, e lá pego o ônibus para a cidade de Maricá. Na volta faço o mesmo percurso inversamente. Levo duas horas, aproximadamente. Tanto pra ir, quanto para voltar.

Que mensagem encorajadora você gostaria de passar para todos os professores que estão tendo seus esforços invalidados em tempos tão difíceis?

E: Esta é uma pergunta tão bonita e de partir o coração. Só porque estamos ensinando online, muitas pessoas pensam “os professores têm tudo tão fácil, eles apenas sentam na frente de suas câmeras e conversam”, o que é a coisa mais ignorante que eu já ouvi. Nós lutamos com tantas coisas e o ensino online é cem vezes mais exigente e cansativo do que o ensino presencial. Estamos constantemente procurando maneiras de manter as aulas envolventes, preparar planos de aula e planejar o que faremos no dia seguinte. Às vezes, os alunos fecham as câmeras e se silenciam, e parece que estamos falando com a parede. Minha mensagem para todos os professores seria: vejo vocês, sou grata por seus esforços e, em seu coração, sei que você está fazendo tudo isso por nossos jovens. Então não dê ouvidos às pessoas que menosprezam nosso trabalho árduo.

O: Ana, infelizmente nossa classe é muito desunida e amedrontada. Porque se estivéssemos mais unidos, não estaríamos assim tão expostos e fragilizados, servindo de marionetes para os empresários de ensino. Minha mensagem é que sejamos mais fortes para enfrentarmos tanto o inimigo invisível quanto o visível.


Ana Luiza Portella – estudante de jornalismo

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