“Em um traço que perpetua, de outra maneira, “o gesto/ de uma mulher/ centenária”, uma outra assinatura se imprime, apresentando-nos um modo de ler o que Ohtake nunca escreveu, porque, no contorno da cena da suspensão de Tomie Ohtake, inscreve-se o movimento inaugural de Letícia Miranda”.
Danielle Magalhães, poeta, pesquisadora e crítica cultural, na orelha da obra
Livro de estreia da artista visual e poeta brasiliense Letícia Miranda, “A suspensão de Tomie Ohtake” é uma proposta de diálogo a partir da obra da artista plástica japonesa naturalizada brasileira Tomie Ohtake. Publicada pela Penalux (2022, 82 pág.), a obra conta com orelha assinada pela poeta, pesquisadora e crítica cultural Danielle Magalhães.
A proposta do livro é unir palavra e imagem, mas também se aproximar de Tomie Ohtake, uma mulher que viveu tanto tempo — faleceu aos 101 anos — e escolheu se estabelecer no Brasil, pontos que intrigam tanto Letícia. A escultora, pintora e gravurista Tomie Ohtake foi o motor e o norte da escrita do seu livro, um movimento de imersão no universo da artista japonesa: “Por causa dela e com ela que me vi escrevendo”.
Entretanto, os poemas que o compõem não são uma tentativa de tradução ou legenda das obras da artista, são resultado de um processo de pesquisa de quem foi, e o que e como produziu Tomie Ohtake. O que é reafirmado pela Danielle Magalhães, na orelha da obra:
“Nesse duplo sentido, a suspensão, matéria-prima de Ohtake, é também a matéria-prima da invenção de Letícia Miranda, que não só escreve sobre Ohtake e para Ohtake, mas escreve, inventa, ficcionaliza uma nova Ohtake”.
A autora é influenciada por nomes como Manuel Bandeira, Marília Garcia, Ana Martins Marques, Ana Guadalupe, Audre Lorde e Graciliano Ramos. Professora de português, integrante do Clube de Colagem de Brasília e mestranda em Artes Visuais pela Universidade de Brasília (UNB), a trajetória e os interesses de Letícia Miranda unem imagem e palavra. Em “A suspensão de Tomie Ohtake”, Letícia escreve poemas sintéticos e imagéticos a partir de obras feitas por uma outra artista e os complementa com quatro colagens de sua autoria, estreitando ainda mais essa relação que também envolve uma dedicatória que diz “Tomie,/o nome do território/onde ancorei” e a epígrafe de Yasmin Nigri (“o futuro é uma canção entoada por sua voz esmaecida”).
Letícia frisa que suspensão é a palavra que guia sua obra de estreia, sendo parte da elaboração necessária para a leitura de qualquer imagem, do seu próprio processo de criação e também indo além, já que fala sobre as tentativas que constroem a leitura das obras da artista, levando em conta que Tomie Ohtake é uma personagem suspensa pelo tempo e pela morte, um diálogo impossível.
O poema que abre o livro é um marco nesse sentido por evocar o tempo e a mulher centenária que Tomie Ohtake foi:
“As formas/emendadas nas cores/se deslocam/permanece o gesto/de uma mulher/centenária”.