Coordenadas paradoxais do sentir

4 min. leitura
Persona, por Ingmar Bergman (1966)

Tudo isso aqui são frutos de uma madrugada ao som de Patrick Watson e Abel Korzeniowski. Créditos a eles, também.

Talvez isso daqui seja uma ode ao vazio. Possível vazio. Não o vazio que habita apenas a minha pessoa, mas a todos nós, de alguma forma. Não é a minha intenção que esse compilado de bobageira seja semelhante a qualquer coisa de ”Textos Cruéis Demais Para Serem Lidos Rapidamente”, longe disso — bem, mas bem longe. Sem ofensas aos que apreciam a obra, claro. Humor e piadas, ha ha! —. É apenas uma tentativa, esperando que não seja falha, de preenchê-lo.

Ela — insira a pessoa que preferir — já pensou em formas, diversas delas, de brincar nesse vazio. De se auto-intitular como proprietária e construir nesse terreno. Secretamente, esperava por algo. Ao acordar, esperava por algo. Esmiuçava cada letra das tantas músicas que fizeram parte das suas monótonas travessias matinais no ônibus, mastigando gentilmente cada verso e esgoelando — mentalmente — refrões, à espera de. Contudo, ao pôr do sol, o grande momento em que as artes de Monet se reencontram e explodem céu acima, as nuvens alaranjadas impressionistas já lhe diziam que era hora de descansar. Não havia nada a reclamar sobre a despedida, a não ser que ainda não era hora de descanso, já que o que mais lhe atraía a esperava assim que o sol se deitasse sobre as montanhas.

Adorava pensar que toda aquela tela pintada em preto acima de sua cabeça a pertencia. Fortemente seduzida pelos corpos cintilantes que se espalhavam por toda aquela extenção, discursava sozinha e deliberadamente enquanto assistia o passado de cada estrela reluzir e atravessar bem em frente aos seus olhos. Gostava de tudo que era bonito, mas também pensava que era uma vergonha que durasse tão pouco. Era uma poesia. A poesia estava naquela noite no coração do sofrimento.

Atribuir palavras ao vazio nunca fez parte de um plano. Adjetivos seriam inúteis e decifrá-lo talvez o faça responder por liberdade de todo esse aprisionamento domiciliar. Impossível a priori, mas palpável a posteriori. Ainda assim, é de se instigar a sua veracidade. Se o vazio, com toda sua definição carregada de uma semântica tão inóspita, seria a dormência do sentir, como nos sentimos vazios?

Quer dizer, desesperar-se por supostamente não sentir nada, não seria exatamente sentir o fulgor desse nosso âmago?

A verdade é que, se abrirmos pessoas, encontraremos refúgios. Inúmeras reminiscências, coordenadas de lugares, palavras não ditas e abraços que deveriam ter sido mais apertados. Como poderíamos dar lugar ao vazio, quando somos o próprio armazém desses cacarecos? O Discovery perdeu uma boa oportunidade de um episódio para ”Acumuladores”.

 É o vazio que não nos pertence, não cabível. Não há espaço para o vazio. É um jogo ridículo de palavras, mas, sim? Benditos sejam esses oxímoros.

”Toda a ansiedade que carregamos dentro de nós, todos os nossos sonhos frustrados, a crueldade inexplicável, nosso medo da extinção, a penosa percepção de nossa condição terrena, lentamente se cristalizaram em nossa esperança por outra salvação mundana. O tremendo grito de nossa fé e dúvida contra as trevas e o silêncio é a prova mais terrível de nosso abandono.” — Filme Persona

Ana Luiza Portella – estudante de jornalismo

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