As festas de fim de ano são uma coisa de louco! Há aqueles que adoram essas comemorações e os que as odeiam por vários motivos. Mas o que essas pessoas têm em comum, gostando ou não de comemorá-las é o desejo. Como assim o desejo? Ora, os desejos de “virada” de ano são aqueles que ainda mantém viva a chama da esperança de dias melhores no ano seguinte. Para isso, algumas pessoas apelam para o sobrenatural ou místico, usando calcinha amarela para atrair grana, peças de roupa rosa ou vermelha para atrair o amor, dando pulinhos nas ondas da praia para Iemanjá, fazendo retiros espirituais, e por aí vai. Também são feitas listas e listas de promessas intermináveis nas quais estão incluídos desde um futuro marido ou namorado, ou outros, com o uso dos famosos clichês “vou acabar aquele relacionamento que penso não dar mais certo”, ou “esse ano começo com o amor da minha vida”, até a cobiça de objetos materiais: “vou comprar meu carro, minha casa… , e às vezes a vontade de mudar algo do seu modo de agir: “esse ano vou ser menos estressado”, “vou ter mais paciência”, “vou emagrecer”, entre outros.
É louvável que tenhamos vontades de fazer ou ter coisas que ainda não fazemos ou temos, mas será que o cenário atual não é aquele mais para agradecer pelo que já temos ou conseguimos fazer do que para pedir?
Conheci uma moça que disse numa live dela, “minha vida estava toda planejada até 2020, daí chegou o Covid-19 e fiquei travada, porque tudo dependia de ir à rua, fazer viagens, e tal”. O que podemos ver aqui é que o planejamento detalhado demais de nossa vida pode ser um elemento estressante a mais num mundo tão “líquido” como o que hoje vivemos. Pensamos e agimos como se pudéssemos controlar a nós mesmos e o universo inteiro, e que, nesse controle todo, a virada do ano é um dos momentos em que posso pôr no papel o que desejo mudar em mim “ali na frente”.
Porém, não é o ano que muda alguma coisa em mim, sou eu que mudo o ano que quero ter. E não precisa ser no próximo que virá. Você pode começar agora, nesse, hoje. Não sei por que as pessoas acreditam que apenas quando chega o fim de um ano que é tempo de renovar as promessas não cumpridas ou nomear novos desejos. Muitas coisas que pedimos na verdade não vêm quando queremos, e, muitas vezes, quando não pedimos nada, apenas estamos em ação, vivendo e sendo nós mesmos, então é que coisas acontecem.
Um dos anos mais interessantes que vivi, foi quando não tinha nada para fazer, nem ninguém ao meu lado e passei a noite de um ano ao outro em oração (apesar de não ser nenhuma beata nem estar em retiro). Aquilo me fortaleceu e me trouxe a experiência inédita de poder contar comigo mesma num momento tão simbólico de “virada”. E me ajudou a ter força para levar o outro ano adiante.
O que penso que pode ser interessante para um ano novo é refletir.
Uma boa reflexão é: será que tudo o que reluz é ouro? Será que você quer o que deseja? Nem sempre queremos pagar o preço da surpresa, do que virá sem estarmos esperando, ou o que virá “a reboque” e a despeito de. Querer o que se deseja implica o risco da aposta. E toda aposta (escolha/decisão) é um tiro no escuro, você não sabe se vai acertar ou se mirou em algo que “não era bem isso”. Algumas pessoas eternamente insatisfeitas com o que obtém, desejam sempre uma outra coisa também. Será que estamos preparados para receber o que tanto achamos que desejamos? Ou desejamos o impossível de ser alcançado?
Se você está vivendo algo assim neste fim de ano, é hora de começar a pensar mais no que você de fato deseja, e se isso que você tanto quer é de verdade ou seria bom de receber. Até porque não é só quando um ano vira outro que algo acontece de diferente na vida da gente. O tempo não olha as datas do calendário, nosso psiquismo não deixa de viver uma dor só porque o ano “virou”, nosso pensamento não deixa de estar no passado só porque se arranca uma página escrita “dezembro” da folhinha, o nosso inconsciente não se torna presente só porque fazemos meditação. Somos um misto de passado, presente e futuro, e quando nos apropriamos de nós, passando a reconhecer as nossas necessidades, enxergando as nossas fissuras, fendas e o que nos escapa, percebendo o que fazemos com nossa própria vida, podemos estar menos fadados ao insucesso e à insatisfação. Portanto, é fácil vislumbrar que não é a virada − de 31 para o primeiro dia do ano seguinte − que vai mudar alguma coisa na minha vida. Minha vida só pode mudar quando eu viro o “jogo”, quando faço algo realmente para a mudança acontecer, quando consigo me olhar e rir de mim mesmo ao fim de tudo e me permito brincar dentro da realidade, e sem me cobrar tanto.
Uma amiga minha dizia que “quando Deus fecha uma porta, abre uma janela”. Por isso, espero que você possa descobrir nessa virada de ano que sempre terá tempo para as mudanças, mas que possa também entender que precisa aproveitar das oportunidades que a vida nos dá ou traz. E caso não consiga de fato o que você pensa querer, ou não consiga lidar com o que não recebeu ou até com o que não quer mais, possa ao menos desapegar do desejo fantasioso do sonho e mergulhar na realidade que surge como algo inesperado ou indesejado, transformando-a dentro do possível, numa realidade melhor, mais aprazível, mais possível de se enfrentar e viver.
Ah, e − por que não? − lembrar mais de agradecer, pois muitas coisas poderiam ser pior.
Que nosso ano possa ser um pouco mais novo e, se continuar velho, possa ser renovado de esperança e coragem para as necessárias lutas!
Booora?
*Janice Mansur é escritora, poeta, professora, revisora de tradução,
Psicoterapeuta e Psicanalista (atendendo online) e
criadora de conteúdo no Instagram: @janice_mansur
e no canal Better and Happier https://www.youtube.com/@betterhappier7501
Contemplada no Tof of Mind Awards Internacional UK 2022, na categoria Escritora Destaque do ano.
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