À revelia do papel que supostamente lhes é atribuído socialmente, o brasileiro Arthur Bispo do Rosario e a estadunidense Judith Scott costuram sua epopeia em linhas e cabos, sob seus próprios termos, ignorando o dado e o instituído. Marginalidade e excepcionalidade são ingredientes que, uma vez combinados, intrigam e nos convidam ao desvelamento do mistério que é a vida de seus criadores, sempre na tentativa de trazer ao público brasileiro mais elementos da Arte Ínsita ou Art Brut.
Arte por um fio, tanto no primeiro volume quanto no segundo, é um trabalho com o rigor da academia e, ao mesmo tempo, com a perspectiva da sensibilidade humana e artística.
Arte por um fio 1: Arthur Bispo do Rosario
Em uma abordagem existencialista, Arte por um fio 1 acompanha o percurso existencial de Arthur Bispo do Rosario (1909 – 1989) empenhado em um projeto de vida a partir de suas memórias e de sua condição de asilo em uma instituição manicomial.
O artista professa uma prece bordada em memória da sua Japaratuba natal, do catolicismo rústico, das tradições artesanais e folguedos populares sergipanos, de um Brasil abolicionista. A expressão do acervo desperta reflexões sobre questões político-sociais, humanitárias e estéticas.
Diante da epopeia em fios azuis, somos confrontados com a alteridade: quem é esse que, estranho, ousa me fazer olhar minha própria condição? O tratado de Arthur Bispo do Rosario nos faz passear por um Sergipe ainda em germe e nos abandona nos braços de uma paradoxal alteridade, entre o fascínio e a fobia, a admiração e o constrangimento.

Autora: Solange de Oliveira
ISBN: 978-65-86068-52-8
Formato: 14 x 21 cm / 384 páginas
Lançamento: 25/04/2022
Preço: R$77,00
TRECHOS
"A partir do estudo da obra, seguindo os recortes apresentados, considero que Arthur Bispo do Rosario perverte sua posição no quadro social, procurando transgredi-la -- e das mais nobres maneiras possíveis: pela religião, pelo esporte e pela arte, postumamente. Conquistou o poder que lhe foi subtraído à revelia. Buscou elevar também aqueles que, como ele, foram escolhidos para a 'Travessia da Passagem', como dizia. Ele, o condutor, junto a todos aqueles que seriam merecedores da salvação." (p. 37)
"Em geral, o cidadão comum ficava a meio caminho das inovações e modernidades. Não obstante o período seja anterior à ida de Arthur Bispo do Rosario para o Rio de Janeiro, podemos considerar que os efeitos históricos persistiram por um bom tempo. Temos, portanto, um cidadão afrodescendente que se mantém fiel à memória de sua localidade natal, com suas tradições religiosas, em meio à velocidade dos ritos da capital. Vale lembrar que indivíduos despreparados e em crise com a nova ordem das coisas estavam ainda mais suscetíveis e expostos a esse meio inóspito." (p. 255)
Arte por um fio 2: Judith Ann Scott
A partir de uma abordagem filosófica, Arte por um fio 2 acompanha o percurso de vida e aborda a forma como se constitui o processo criativo da artista estadunidense Judith Scott (1943 – 2005), sobretudo o modo original da constituição de sua obra — uma verdadeira poesia em fios. A artista tem um acervo expressivo no cenário internacional da Arte Contemporânea e no campo da Outsider Art.
Judith Scott nasceu trissômica e surda; passou grande parte de sua vida em instituições, sem que fosse cuidada e alfabetizada, nem mesmo na língua de sinais. É, portanto, inábil para a linguagem verbal, mas especialmente atraída por imagens. A criadora é autodidata, e todo o desenvolvimento de seu trabalho prioriza o processo ao produto — o fiar é devir. Expressões artísticas peculiares acabam sufocadas pelo conhecimento excessivamente teórico; assim, o livro apresenta uma reflexão que coloca em relevo a índole intuitiva e temporal na feitura de sua obra.

Autora: Solange de Oliveira
ISBN: 978-65-86068-58-0
Formato: 14 x 21 cm / 280 páginas
Lançamento: 25/04/2022
Preço: R$63,00
TRECHOS
"Judith Scott não esboça hesitações ou dúvidas no ateliê, o que contrasta radicalmente com a atitude na lida cotidiana; no mundo real, é incapaz de cuidados pessoais e até mesmo de suprir suas necessidades básicas, mas, nas dependências do Creative Growth Center, parece se sentir à vontade para conseguir o que deseja; demonstra autossuficiência, competência e independência. São estarrecedores o contraste e o desempenho para as atividades cotidianas em relação àquelas do trabalho com os fios. O resultado do trabalho é, todavia, imprevisível. Judith Scott é dragada para o interior do processo, embarca em consistentes princípios estéticos e técnicos empregados ocasionalmente."
(p. 76)
"A criança, espontânea, ansiosa pelo conhecimento do mundo, está sempre aberta à novidade sem condições prévias, não se dobra a regras, porquanto é mais próxima da natureza que na idade adulta e é, concomitantemente, pesquisadora e inventora. De maneira semelhante à experiência infantil, o fazer de Judith Scott apresenta respostas espontâneas nessa mesma medida, ela é, inclusive, excepcionalmente hábil no artístico e inábil para o cuidar de si cotidiano, como uma criança." (p. 152)
Sobre a autora
Solange de Oliveira, paulistana, designer e artista, é Doutora em Psicologia Social, graduada em Artes Visuais e em Filosofia. Foi docente no Departamento de Artes Visuais e Design da Universidade Federal de Sergipe e atuou entre 2018 e 2019 como pesquisadora junto ao Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, onde desenvolveu sua investigação em estética e filosofia contemporânea, se aprofundando no campo de estudos de imagem com abordagem fenomenológica. Seu trabalho circunscreve a intuição, a memória e a condição existencial relacionando-os à forma como se constitui a produção de criadores iletrados artisticamente, que se expressam prioritariamente pela imagem à linguagem textual e verbal. Tem transitado nos últimos anos, portanto, nos campos da Arte Ínsita e da Outsider Art.