Neste período de pandemia, o conteúdo, de forma geral, tem sido um aliado da população. O humor possui um papel fundamental, pois pode servir de fuga à realidade ou, então, como uma forma mais leve de interpretar os fatos. Com isso, explicaremos neste texto a real importância do humor para a TV Brasileira, desde os seus primórdios até os dias atuais.
O primeiro programa humorístico da televisão brasileira foi “Rancho Alegre”. Originalmente transmitido pela Rádio Tupi, era ao vivo e tinha como protagonista Mazzaropi, humorista, ator e cineasta. Com o surgimento da televisão, em 1950, o formato foi para as telinhas da TV Tupi de São Paulo, gerando uma ampla concorrência entre as emissoras da época, à exemplo da TV Rio, que articulou uma parceria com a Record, de São Paulo, passando a investir em programas de humor.
A partir daí, a televisão não apenas adaptou programas de sucesso do rádio (como “Balança mas não cai”) e contratou humoristas consagrados na mídia radiofônica (o escritor Max Nunes e o comediante Chico Anysio), mas também produziu programas novos, criados dentro dos parâmetros da linguagem televisiva (com seus recursos de cenografia, enquadramentos, iluminação, movimentos de câmera, fusões e outros efeitos de edição), gerando novos formatos para os programas humorísticos.
Desde então, o humor passou a ganhar força na TV com programas que envolviam inúmeros formatos, e claro, boas risadas. Um dos primeiros a fazer sucesso foi a “Família Trapo”, que se tornou um dos mais importantes humorísticos da da TV brasileira, era transmitido no sábado à noite no horário da televisão no fim dos anos 1960. Com plateia e em cenário único, a sala de uma casa de classe média paulistana, o programa da Record foi um enorme sucesso. Faziam parte do elenco, entre outros, Renata Fronzi, Ronald Golias e Jô Soares, que era redator do programa ao lado de Carlos Alberto de Nóbrega.
A narrativa foi inspirada na família Von Trapp do filme “A Noviça Rebelde” e do musical “The Sound Of Music”. Anos mais tarde, surgiram produções baseadas como “A Grande Família”, “Sai de Baixo” e “Toma Lá Dá Cá”, da TV Globo, e “Meu Cunhado”, do SBT.
Outro humorístico que fez história e que distingue do estilo impresso pela “Família Trapo” é a “TV Pirata”, que ajudou a revolucionar o humor televisivo no Brasil. O programa reuniu um grupo de talentosos redatores e atores, misturando jovens e experientes e gente vinda de outras mídias, sem ter experiência em TV. Humor ácido, como nunca havia sido feito no País, ironizava a própria televisão e tornou famosos personagens que são lembrados até hoje, como Barbosa, vivido por Ney Latorraca.
A atriz Cláudia Raia, que era símbolo sexual da época, teve de brigar com o diretor Guel Arraes para interpretar Tonhão, uma presidiária lésbica que foi responsável, segundo Cláudia, por fazer com que as pessoas a vissem como uma atriz. Com exibição entre 1988 e 1992, o programa deu tão certo que acabou conquistando muitos fãs, e outros programas derivados, à exemplo de: “Casseta e Planeta, Urgente!” (TV Globo), “Tá no Ar, a TV na TV” (TV Globo), Furo MTV (MTV Brasil) e entre outros.
Muitos desses programas possuem uma estrutura narrativa baseada em esquetes, quadros que se sucedem, sem haver entre eles um fio condutor, tendo, no máximo, a ambientação (a praça, o edifício ou uma festa) como elemento unificador. O “bordão” – frase de efeito enunciada por determinado personagem – é repetido todas as vezes que o programa é transmitido e, aguardado pelo público, torna-se uma marca registrada, um mecanismo que desencadeia o riso. Além das esquetes, há, ainda, outros formatos de programas de humor, quando considerados como uma forma de teledramaturgia, à exemplo de “Os Normais” (TV Globo), “Tapas e Beijos” (TV Globo), “A Diarista” (TV Globo) e entre outros.
Diferentemente do humor apelativo e sem graça que vemos atualmente, onde pouquíssimas produções se salvam, não podemos deixar de destacar outros programas que marcaram época, como a “Escolinha do Professor Raimundo” (TV Globo), “Os Trapalhões” (TV Globo), “Zorra Total” (TV Globo) e “A Praça é Nossa” (SBT), que apesar de ter feito história com personagens como a ‘Vera Verão’ e a ‘Velha Surda’, atualmente continua sendo exibido, mas sem a mesma graça que o consagrou.
Aliás, produções como “CQC – Custe o Que Custar” (Band) e o programa “Pânico” (Rádio Jovem Pan, RedeTV! e Band), apesar de possuírem um humor inteligente e com reflexo para o atual, parecem não saber manusear uma palavra comum no dicionário chamada ‘limites’. Com apelação para figuras completamente estranhas, ambos programas fizeram sucesso em suas respectivas épocas de exibição, porém tornou-se alvo de críticas e processos judiciais por parte de famosos, movimentos políticos, sociais e entre outros. (Veja aqui, um dos acontecimentos mais bizarros da TV ocorrido dentro do CQC).
O diretor e produtor Pedro Arantes, que já dirigiu séries para o canal Multishow, explica à respeito do limite no humor em entrevista ao programa “Ver TV” da TV Brasil no ano de 2014.
“O limite (do humor) sempre é um acordo social. Mais do que limite, é uma questão política do humorista se posicionar politicamente e de a sociedade responder àquela provocação do humorista”.
Como pôde ser observado ao longo deste texto, embora a programação humorística da TV brasileira tenha se apropriado de programas e estruturas narrativas advindas principalmente do rádio e do teatro, essas experiências anteriores foram se adaptando às condições próprias da mídia televisiva. Ao longo do tempo, os programas de humor produzidos pelas emissoras e redes de TV passaram a refletir as transformações técnicas (o uso do videoteipe, a transmissão em cores, a gravação digital de imagem) e o desenvolvimento de uma linguagem televisiva que altera noções de tempo e espaço (com cortes e fusões de imagem). Hoje, o humorismo televisivo apresenta-se em formatos variados, do tradicional programa de esquetes aos seriados e sitcons, possibilitando a inovação dos recursos cênicos, da direção de arte e das formas narrativas.
Gabriel Ferreira – Estudante de Jornalismo