Se você está na casa dos 30 ou 40 anos deve ter chegado até aqui com uma coleção catalogada de conselhos para a vida, que quase nunca conseguiu levar a cabo por mais de uma semana. Acordar cedo para o seu milagre pessoal, ler cinco páginas por dia, manter seu diário de gratidão, executar suas ações girando em torno do seu único propósito.
Às vezes as indicações soam contraditórias, exigindo de nós, “heróis” do autoconhecimento, uma dose extra de atenção à bula. É quase uma epidemia de propósito, uma busca egocêntrica por preencher o vazio de um buraco sem fundo. Felicidade é ciência, as recomendações para uma vida boa são muitas e o risco de cairmos na superficialidade dos conselhos e gurus é tremenda.
Porém, me arrisco aqui a dizer que a genialidade está no simples, nas origens, na essência. Na sabedoria de quem já viveu muitos anos, nos conselhos dos nossos avós. Minha avó não falava muito, pelo menos na fase da vida em que a conheci. Mas, sempre que abria a boca nos deliciávamos com as suas pérolas acidamente bem humoradas. Era engraçada, observadora e negociadora astuta.
Tenho certeza de que você teve também figuras assim no seu caminho, que falavam, à sua maneira, basicamente o mesmo que Nietzsche ou Plantão. Lembro dos meus avós como adultos mais bem resolvidos e responsáveis do que os da nossa geração, que quer evitar a qualquer custo as agruras da vida, fugindo da realidade para a loja de doces cada vez que um sentimento ruim nos assola.
Mas como poderia ser diferente se nosso mundo parece um cardápio, com todo e qualquer conteúdo disponível? Como não ser CEO de uma startup de seis dígitos aos 23, se até Harvard tem cursos gratuitos e online? Ah, mas são em inglês… o que também não é um problema, já que existem milhares de aulas gratuitas de idiomas e perfis que produzem conteúdos como manufaturas chinesas todos os dias. Isso não é responsabilidade, é fantasia.
Hoje quando somos relativamente bons em algo, já partimos para a próxima, entediados com nossa superficialidade. Meu avô não havia estudado e trabalhava nas minas de carvão. Ele manobrava uma máquina imensa de escavação a céu aberto. Era uma responsabilidade tremenda. Batalhou muito para chegar até ali. Nosso orgulho. Não aprender com exemplos assim é um desperdício tremendo.
O sentido da vida está fora de nós mesmos
Só encontramos essa realização e felicidade quando saímos de nós mesmos. Quando transcendemos, indo ao encontro de alguém ou mesmo do mundo. E se formos falar de sentido da vida como manda a cartilha, ou pelo menos para além do que nos ensinaram nossos avós, será difícil não passar por alguma área do saber como por exemplo logoterapia, a psicoterapia centrada no sentido. Para ela, são três os caminhos possíveis para darmos sentido à nossa existência: o da criação (nosso trabalho), o das experiências (o belo do mundo) ou o caminho das nossas próprias atitudes na vida.
Entretanto, nós tiramos completamente a graça do processo (e a possibilidade de sucesso na verdade), quando transformamos essa descoberta numa saga. É como desejar uma gargalhada e fazer todo o possível para encontrá-la. Você vai gozar do prazer gutural de uma boa risada, quando cruzar com algo totalmente inusitado e surpreendente. O riso será inevitável. Assim também a felicidade, o amor, e a meu ver, o sentido da vida.
Em uma das poucas entrevistas ainda documentadas de Viktor Frankl, pai da logoterapia, ele fala que encontramos sentido para nossas vidas não apenas quando vivenciamos algo, mas também quando experienciamos alguém. Segundo ele, quando amamos, promovemos, aliviamos e, assim, realizamos alguém, nós também nos realizamos. Não é uma busca por autorrealização, é uma entrega real ao outro. E nesse sentido obviamente nos vêm à mente nossos queridos mais próximos, nossos filhos, mas numa comunidade ampliamos este pensamento. Buscamos o bem para além de nós mesmos e dos nossos.
O sentido está fora, na história que escrevemos quando não estamos preocupados em buscá-lo. É totalmente subjetivo, pessoal e une nosso passado, presente e futuro numa narrativa que acreditamos ser coerente. E isso tudo não apenas para gozar do que é bom, mas porque há sentido também no sofrimento, na dor, em tudo o que fazemos.
As ciladas da hiperintenção e hyper-reflexão
Dezenas de gurus de autoajuda, desde o Segredo até o mais recente hit que nos sugere apertar o botão do f*, confirmam a ironia de que querer algo demais – hiperintenção – nos afasta do resultado e a atenção excessiva sobre um tema – hyper-reflexão – faz acontecer exatamente o que se teme. Tudo isso porque essa atenção intensa está voltada para nós mesmos e na nossa auto-imagem ou imagem desejada. Nem precisamos do olhar afiado dos anciãos para saber que este não é o caminho.
Frankl em seus estudos nos sugere duas possibilidades. A primeira é a “desreflexão”, que vou traduzir de forma bem simplista aqui: parar de pensar em si mesmo e se entregar à experiência. A segunda, mais bem humorada e talvez parecida com a minha avó seria a “intenção paradoxal”, que é fazer exatamente o contrário do que achamos que deveríamos fazer, porque isso nos leva a um confronto real com nossas fobias, que acabam por provocar o que tememos.
Em um dos seus livros (1985) ele cita o caso de um paciente, um jovem médico, que tinha medo de suar na frente dos outros. Esse receio o deixava ansioso, o que o levava a suar litros, provocando exatamente o que ele desejava evitar. Quem já teve problemas em falar em público sabe do que eu estou falando. A recomendação de Frankl: fazer todo o possível para deliberadamente suar na frente das pessoas. Sem a ansiedade de tentar controlar seu medo, o problema se foi em uma semana.
Um último exemplo para ilustrar os ciclos onde despercebidamente nos colocamos. Segundo Joan Garriga Bacardí, psicólogo humanista e escritor Espanhol, estamos transitando de uma cultura excessivamente patriarcal para outra de caráter filial, que confunde e debilita tanto filhos, quanto pais. Pais e mães jovens tendem a carregar um peso excessivo construído pelo medo de serem pais ruins. O foco desmedido pode levar a tensão, tentativas frustradas, culpa. Colocando os filhos em primeiro lugar os pais se desumanizam, deixam de se cuidar, atendendo as necessidades dos filhos antes de cuidar das suas. O resultado esperado é sem dúvida confusão, cansaço, falta de propósito e tristeza. O tempo, então, com os filhos passa a ter menor qualidade, o que retroalimenta o ciclo negativo de medo de converter-se em pais ruins.
Pare de tentar
Não escrevo para que deliberadamente passemos a tentar nos tornar versões piores de nós mesmos, ou para que nossas listas de resoluções para 2021 sejam medíocres. Não falo em baixar a régua ou fazer o que dá. Escrevo para que paremos de tentar. De buscar. De refletir. E para que passemos a viver, experimentar, realizar.
A busca e a reflexão excessiva precisam se transformar em ações. Em trabalho, perseverança, estudo, esforço contínuo e apaixonado. Causas simples são nobres. O propósito, o sentido da vida, a felicidade encontraremos pelo caminho. E a startup de seis dígitos, se estiver nos planos, virá com a lição de casa feita.
Desejo a todos nós um próximo ciclo adulto e responsável, de gente que acorda cedo e vai à luta. De gente que cria o futuro, com alma talhada e ancorada no que nos ensinaram os meus e os seus avós.
Gisele Medeiros é publicitária e escritora. Tem especialização em Marketing pela ESPM, Gestão de Negócios pela FGV e Psicologia Positiva e Ciência do bem-estar e autorrealização pela PUC. Dedica-se a criação de conteúdos diversos, que vão desde a comunicação à felicidade de uma vida mais simples. Em suas produções destacam-se especialmente os temas relacionados ao feminino e ao incentivo de um experienciar criativo da carreira por parte das mulheres. Hoje vive com seu marido e dois filhos na Holanda. Seus relatos sobre este novo tempo podem ser vistos também no blog https://www.thebravenewlife.com/