Depois de uma boa virada de ano bem mal com covid-19 na minha vida, por 22 dias, estou entendendo melhor coisas que nos acontecem e não esperamos. Sempre soube que não valemos quase nada, não no sentido pejorativo do termo, mas no sentido de nossa fragilidade como um ser vivente humano. Nosso corpo é frágil. E a mente também. Vi uma menina acidentada aqui que estava numa bicicleta e alguns minutos depois nem andava, estirada embaixo das rodas de um caminhão. Não se preocupe, sobreviveu.
Não venho aqui para falar de tristezas, mas quero questionar certas situações. Hoje, nesse mundo onde a felicidade a qualquer custo é estimulada, atrelada ao que posso ter, ter o carro do ano, ter a viagem dos sonhos, ter o amor ideal (como se o ideal fosse possível e o amor pudesse ser possuído), onde o mundo das ilusões é vendido caríssimo pelos vários sistemas de coaching e outras formas de terapias, que dizem que você pode O QUE QUISER, vai conseguir tudo o que DESEJA, é forte, brilhante, espetacular, inigualável, acabamos todos reduzidos a meros espectadores de nossas necessidades.
É mentira que hoje não criam nossas necessidades. O marketing evoluiu mudando sua linguagem para uma mistura de “tudo é possível” e “só depende de você”, pois ele sabe jogar com as palavras muito bem. E agora existe uma mistura entre os dois setores, o de coaching e o de marketing, que pode criar um estrago para os mais consumistas. Ou você nunca comprou algo sem uma real necessidade?
Não estou dizendo que estar motivado para realizar seja ruim, para vencer na vida, conquistar bens, porém estar todo o tempo motivado, feliz e “para cima”, sem problemas, é algo bem estranho, não é verdade? E vende. Mas esse é um papo para outro dia.
Muitas das nossas realizações são conquistadas por nós
Concordo que muito do que queremos depende de nós: estudar muito para um concurso e passar na prova, entrar numa academia e mudar a alimentação para melhorar o corpo e a saúde, planejar algo e seguir à risca até finalizar o plano, entre outras coisas. E, claro que tenho que concordar. Vivo isso na minha vida. Traço, corro atrás e realizo, geralmente. Mas nem sempre é assim. Ou é?
Você conseguiu fazer tudo o que quis na vida ou consegue fazer tudo o que quer sempre? Aquela viagem (exemplo vivo em tempos de covid) que cancelaram por duas vezes ou mais, aquele relacionamento que almejava e não se concretizou, aquele apartamento para o qual você juntou o dinheiro, mas ficou mais caro e não deu para comprar depois… sei lá. Acho que você pode me dizer mais do que eu.
Obviamente conseguimos tantas coisas maravilhosas por esforço e obstinação que, muitas vezes, não temos a “vida dos sonhos”, mas boa parte dela. Muitos de nós temos saúde, família, amor, dinheiro, ou o que precisamos para sobreviver ou viver, e isso é ótimo! Temos de ser gratos por isso, ao Universo, a Deus e a nós mesmos, ou a quem você queira agradecer.
Bora juntos buscar algo melhor?
Minha intenção aqui não é colocar você para baixo. Não, ao contrário. Convido você a pensarmos juntos na vida que temos ou queremos ter, de modo que não vivamos num mundo simplesmente de ilusão, de eterna felicidade, onde muitos estão imersos, mas também não precisemos viver num mundo de tristeza, dor e depressão.
Buda, long time ago, disse que o melhor para se escolher viver é o “caminho do meio”. E isso significa equilíbrio, meditação, reflexão e, muitas vezes, psicoterapia.
É extremamente necessário que possamos sentir, mas também pensar. Se nos voltarmos só para os sentimentos e sensações e ficarmos aí nesse lugar, vivendo grandes emoções, chorando, nos desesperando, dando uma de vítima, podemos nos esquecer de que também somos seres que temos uma mente, um cérebro, um mecanismo qualquer que nos ajuda a raciocinar e encontrar algumas soluções.
Portanto, pensar pode nos ajudar a não cair no extremo oposto, na armadilha do viver sentindo: sentindo fortes alegrias, longas tristezas, sentindo que não sou aceito ou tendo essa “sensação”, não reconhecendo quem sou ou estou sendo, tendo sensações de que sou perseguido e ninguém gosta de mim, sentindo desejo por coisas que estão além do meu alcance no momento, sentindo tédio ou uma grande motivação.
Por estar pensando menos e em constante busca da satisfação e do prazer, muitos de nós entram para esse “mundo de ilusões”, com a maior facilidade, e se encantam. Sair na balada ou na night, curtir um bom vinho ou encher a cara, usar todo tipo de droga lícita ou ilícita, achando que isso é alegria e diversão, é bem complicado. O importante é se anestesiar para afastar o sofrimento, a dor, as dificuldades e não pensar? Aqui você pode ver como essas duas coisas caminham juntas: proporcionalmente quanto menos pensamos e mais fugimos dos desafios, tentamos não ver o que precisamos interiormente resolver, mais caminhamos para a estrada sem fim das ilusões. E será que “iludido” eu estou no controle de minha vida também?
Só para relembrá-lo, contraí coronavírus na virada do ano. Imagina que delícia não foi curtir 12 dias de febre alta logo no início do ano e todo o medo da falta de ar (que não tive, tive cansaço e fiquei muito ofegante), e até hoje não estar totalmente 100%! Eu que evito sempre sair de casa, respeito todas as regras, pratico uma higiene feroz, e, no entanto, como vivo numa shared house, em Londres, outras pessoas trouxeram-no para mim. Lindo, né? Pois então, chegamos ao ponto crucial de nosso raciocínio. Eu procurei a doença? Fiz por onde me contaminar?
Portanto, constatamos que há coisas na vida que nos fogem ao controle, certo? Ficar doente é uma delas.
Então, que tal em vez de tentar controlar o incontrolável, buscar o SER? Principalmente, porque ser ou estar sendo só depende de nós, não é?
Enfim, espero que você esteja saudável e se cuide aí.
Beeeiju no coração e na alma.
Janice Mansur é escritora, poeta premiada, professora, revisora de tradução e criadora de conteúdo.
Visite a autora também no site do Jornal Notícias em Português (Londres) e na Academia Niteroiense de Letras.
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