Como Você lida com a perfeição?
Estive pela manhã de hoje conversando com uma amiga que me perguntou algumas coisas de português sobre o plural de umas palavras. E brevemente lhe informei e disse que relaxasse, que nossa língua não era tão simples, e há muitas regrinhas que esquecemos ou desconhecemos até. E ela logo falou, “ai, ouço minha mãe bradando no meu ouvido: mas você é jornalista, minha filha, não pode errar!”. De imediato lembrei de minha infância também, quando ouvia minha mãe dizer: “mãe tem que se sacrificar…”, e por aí vai.
Crescemos sendo guiados por vozes de pessoas que não existem mais − podemos até falar de fantasmas que nos assombram −, mas, não, elas foram de carne e osso e reverberam em nossa mente até hoje.
Educação é coisa séria! Desde que entrei para a educação, na área específica de Letras − porque transitamos por muitas faculdades dentro da universidade e estudamos muitas disciplinas −, sei disso e sinto isso no convívio com meus alunos e minhas alunas. Quantas vezes um simples bom dia, uma contação de piadas seguida de um elogio sincero, um abraço, um ouvido atento, um sorriso, salvaram, e salvam, o dia de alguém e, às vezes, o nosso próprio. Creio de fato que, na vida, as situações acontecem em via de mão dupla.
Portanto, o que se diz a alguém muitas vezes fala tão profundo que pode gerar cicatrizes permanentes, ou aliviar algumas delas. Criação de filhos, por exemplo, criar uma vida é mais do que divino, é um autoconhecer-se constante.
As coisas que nos são ditas na infância entram em nossa mente e ficam lá
É preciso olhar para isto, para nosso passado a fim de evitar repeti-lo com as próximas gerações. Felizmente ainda (e não infelizmente, como eu iria dizer) posso ter a chance hoje de refletir sobre isso e quero passar adiante esses conhecimentos, esse novo modo de ver a vida. Se alguns aproveitarem, “ótimo!” (olha aí, rsrs), perde-se menos tempo.
Algumas pessoas ficam chorando o leite derramado sobre seu passado, porém, é fundamental olhar para ele para se afastar dele e não o repetir. Isso é difícil! Às vezes, temos de pensar em mudar a narrativa que criamos, mas é isso assunto para outro texto, é outra história.
Minha amiga estava totalmente banhada pelos sons do que sua mãe lhe disse quando era pequena, por isso estamos aqui para falar da perfeição, não é? E o que a perfeição tem a ver com as coisas que nos foram ditas?, você me perguntaria.
Então vamos aos fatos. Você foi criado para ser perfeito ou não? Faça um esforço.
Em casa, quando você finalizava sua refeição e raspava o prato todinho, o que sua mãe, avó ou cuidador dizia? “Que lindo! Muito bem!”, o que além de ajudar você a comer mais, fazia com que sua memória registrasse que fazer o que alguém queria era algo muito bom. E muitas vezes, a seguir vinha uma recompensa em doce ou sorvete para estimulá-lo a repetir a ação. Na escola, quando você completava sua tarefa de modo satisfatório o que a professora/tia redigia ou até carimbava no caderno como um reforço positivo? “Excelente! Ótimo!”. Portanto, você foi ensinado a cultivar a excelência. Cada atitude era para levar você a um nível acima de “perfeição”. Concorda?
Temos de estar bem atentos, pois, o excesso de perfeccionismo, se não olhado de perto e com carinho, pode se transformar em transtorno obsessivo compulsivo (TOC), que você já deve ter ouvido falar. Então, pode-se criar um ciclo de transmissão de uma geração a outra, se houver uma predisposição genética a isso.
Daí você começa a trabalhar, e seu chefe explora toda sua potencialidade, porque você já está habituado a buscar a perfeição, e ela ajuda você,… mas atrapalha. Como assim?
A vida inteira, falando um pouco de mim, fui aquela criança doce e gentil que ajudava a todos e primava por fazer tudo melhor. Se era para aparecer ou agradar, para ser amada, não sei. Mas como somos criados para a perfeição, penso que as duas coisas.
Ah, sem falar da religião, na qual muitos estamos imersos ou nascemos, que nos dizia também para sermos melhores e perfeitos como Jesus. Aí, fica mais difícil ainda. Não há imperfeição que dê conta…
E isso tudo, essa pressão psicológica interna é tão intensa que nos faz P E R F E C C I O N I S T A S com o passar do tempo e a força do hábito por repetição. Por isso, descobrir que não somos perfeitos é difícil, e dói.
Enfim, dá para desconstruir isso?
Dá sim, mas bota tempo de análise, hein!
E talvez nem nessa vida. Quem sabe?
Bora, começar pensando?
Janice Mansur é escritora, poeta premiada, professora, revisora de tradução e criadora de conteúdo.
Visite a autora também no site do Jornal Notícias em Português (Londres) e na Academia Niteroiense de Letras.
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