Hoje em dia há uma epidemia da “fortaleza”. As pessoas são incitadas a ser fortes, motivadas a ultrapassar seus limites, mesmo quando não estão bem, estão passando por um sofrimento e não sabem quem são ou o que estão fazendo na vida. Problemas viraram sinônimo de “desafio”, algo que você precisa resolver de modo tranquilo, claro, porque é mais leve, como se nossos problemas fossem uma provocação, algo que nos estimulasse sempre seguir em frente, e não significasse um obstáculo, uma dificuldade com a qual muitas vezes não temos forças no momento e nem sabemos lidar com ou resolver.
Muitas pessoas estão tão fragilizadas, seja pela vida sofrida que levam há anos, por pessoas cuja convivência seja muito desgastante e/ou ambientes nada fáceis de estar, que não conseguem sair do lugar de dor em que se encontram somente com palavras de apoio e motivação: “Vai, você pode! Você é forte! Esse problema é só mais um dos muitos que você já passou… você vai resolver. Vai passar! Vai ficar tudo bem!”. Isso acontece, por que sofrimento tem limite e força tem prazo de validade. Ser forte o tempo inteiro cansa, e não vai ser motivação que vai me ajudar a caminhar altivo e desenvolver bravura. Apoio motivacional não é tão bom quanto ter alguém na vida. Quem aqui nunca quis somente um colo amigo, um abraço apertado, ficar em silêncio, quietinho, ou ser ouvido, escutado de verdade, mesmo que isso não solucione nada? Aliás, é preciso ter em mente que não agir já é estar agindo, de alguma forma, e que o silêncio em algumas circunstâncias pode ser ouro.
Por que eu preciso ser forte todo o tempo?
Estamos na era do entusiasmo e das aparências. Se eu não tiro uma foto e posto nas redes para mostrar que estou feliz, é sinal de que não estou. Se eu não grito ou bato palmas, quer dizer que não estou comemorando algo de fato. Se eu não faço a maior festa de quinze anos, ou aquele maravilhoso baile de formatura, ou não gasto uma fortuna com meu casamento, isso não demonstra aos outros que estou realmente “passando de fase”, conquistando sucesso ou tendo alegria ou cumprindo com os rituais esperados por mim. Porém, quantas vezes você já esteve tão feliz e em êxtase que nem teve tempo de fotografar ou falar para alguém sobre? Quantas vezes você se sentiu tão grato por ter recebido algo, que não teve nem palavras para se expressar? Quantas vezes você já se encantou de ter encontrado alguém que você quis mais mesmo é guardar em segredo?
Ser forte não é o que se pensa
Talvez mais importante do que ultrapassar barreiras, ser forte, vencer e ter sucesso na vida, seja encontrar tranquilidade, descobrir você mesmo (mesma) e buscar espaço interior para a paz. Até porque ter sucesso é tão relativo quanto o que é gostoso para alguém. Estar no mato, ver animais, observar assim a natureza, pode ser uma forma de internalizar calmaria. Procurar por prazer nas pequenas coisas do dia a dia, nos detalhes, no caminho, curtindo o processo, também pode ser interessante.
Outro dia, conversando com uma analisanda minha, ela me perguntou o que podia fazer para se sentir melhor, já que muitos de seus sonhos ela não tinha mais idade nem tempo para realizar. Respondi que poderia encontrar, descobrir novos gostos. Deixei-lhe perceber que aproveitar de seu arcabouço cultural, de todas as experiência que foram sendo construídas ao longo dos anos, das atividades que tinha mais facilidade de elaborar, para somar a seu repertório linguístico e artístico, ou seja, a suas capacidades criativas, na construção de novas possibilidades de carreira a desenvolver, poderia ser um recomeço.
Portanto, chegamos à conclusão juntas de que ser “forte” é saber analisar seus “pontos de fragilidade” e os “pontos de energia” para implementar uma “estratégia de reparação”. Reparar é corrigir, de certo modo, minha rota. Refazer o percurso sem reclamar do que não pode mais ser feito. Ela descobriu que sua “fortaleza” estava em ser gentil com ela própria, respeitar seu ritmo e se orgulhar de tudo o que trazia em si que a permitia ser quem era hoje: “Foram meus problemas, dificuldades e limitações que me fizeram ser quem hoje sou ou estou sendo”. Desse modo, começou a fazer dança, a cantar, e a se aventurar na pintura, já pensando em começar (a daí dois anos) a expor seus trabalhos.
Aqui trago poeticamente o que eu penso ser meu forte. Qual é o seu?
Meu forte não são imagens, são as palavras. Mas, com elas, consigo compor imagens que cada qual se apropria e então propõe significados, e os reorganiza, reinventa e usa como bem entende.
Quando as palavras saem para o mundo, elas não têm endereço certo nem ficam imaginando onde vão chegar. Simplesmente seguem o fluxo e a rota para além do tempo e da imaginação. As palavras ganham vida a cada estação que visitam e fazem morada nos corações onde ancoram. As palavras seguem de peito aberto levando alegria e guardando as lembranças desgastadas de outrora. Elas têm liberdade para apagar os momentos de sofrimento e ressignificá-los, por terem sido criadas como escola para nosso pensar e nossa emoção.
As palavras se perdem no labirinto da mente e se projetam para além da fantasia, sem se importarem se é noite ou dia, ou se finalmente vão se apagar. As palavras ganham coragem para enfrentar os descalabros do mundo e a destemperança humana. E leves na sua certeza vão espalhando imagens para se viver, repensar e mudar.
A tônica das palavras é acompanhar as mudanças de sentimentos e pensamentos que avancem e desaguem na desilusão. Elas desiludem nossas almas dos conceitos vãos e preconceitos que não somam. Elas nos desiludem do que acreditamos ser nosso, ser fixo e imutável.
As palavras que quero para mim e para o outro irmão são as que se renovam, as que lutam por dias melhores, seres melhores e imagens de união.
Usemos da palavra, que tem potente energia, para sonhar com dias de comunhão entre os homens.
Para que alcemos paz e amor no mundo em que estamos vivendo e, ainda, sintamos o divino em nosso mundo interno.
Que você possa seguir em paz.
Janice Mansur é escritora, poeta premiada, professora, revisora de tradução,
criadora de conteúdo e psicanalista (atendendo online).
Contemplada no Top of Mind Awards Internacional UK 2022,
na categoria Escritora Destaque do ano.