Eu não sei vocês, mas atualmente os passeios às grandes livrarias têm se tornado melancólicos. Claro que também pode ser a minha mania de fazer cada passo meu como uma cena emocionante de um filme, mas caramba. As coisas realmente andam diferentes. Com tantas livrarias que fecharam suas portas, as que ainda resistem por aí parecem presenciar os piores de seus presságios: que em algum momento elas também irão embora.
Oras, foi eu em quem mudou, no fim das contas, ou a escassez em livrarias se tornou predominante? É que eu ouvi um grande falatório quando visitei a Saraiva que tanto ia, antigamente. Uma fofoca que correu solta entre as entantes. No vilarejo dos dramas, poderia ouvir, até mesmo à três quarteirões de corredores, as lamúrias escandalosas daqueles pobres seres de capa dura. Já virando à esquerda, na viela onde residem os filosóficos livros de bolso, eram os que aceitavam o próprio fim sem pestanejar, cantarolando sonetos nietzschianos. Mas, se o reino fosse à falência, para onde iriam correr?
Dizem as más línguas, que já em um reino vizinho ao que falia, esbanjavam de uma absurda imortalidade e tiração de sarro contra o tempo que – não – passava. Ah, eles não tinham medo dele. Simplesmente porque controlavam a atemporalidade nas ”palmas” de suas folhas. Viver com as traças também não os assustavam, deixando até os chás verpertinos com um paladar diferente. Um tanto quanto antiquado.
Me encontrei várias vezes em muitos desses sebos. Ou na verdade, eles que me encontraram enquanto caminhava sem rumo por aí. Um cantinho alí, um beco acolá. São os verdadeiros donos das ruas. Sempre gostei da sensação amigável que transparecem em suas entradas, tão simples e convidativas. Se você se aproxima, é capaz de ser sugado reino adentro, tal qual uma Alice indo para o seu País das Maravilhas. Porém, numa versão única, a própria terra de delícias terrenas.
Os corredores tão pequenos passam por despercebidos, culpa das tantas estantes que se espalham nesse tão pouco espaço, causando uma imensidão aos curiosos olhares dos forasteiros. Preenchidas afavelmente de livros com lombadas gastas e páginas frágeis por obra do tempo, carregam não somente as histórias impressas em suas folhas, mas daqueles que também já os pertenceram. Esse é o detalhe que me arranca, sempre, tremendos suspiros. O fato de que cada livro, em cada estante que se estende ao céu daquele reino, fez parte de algum momento especial, mesmo que mínimo, na vida de alguém. É um destino traçado. Pertencer a nenhuma prateleira, mas a todas. Estar não somente em um par de mãos, mas em tantos outros.
O mistério em dedicatórias de livros com folhas tão amareladas são como um abraço. Ler uma lembrança daqueles que já amaram e que foi passada adiante, para que assim outros amem também, é tão magnífico quando uma cheirada em páginas tão novas de um livro recém-nascido — o que não seria muito aconselhável de fazer em livros dos sebos, a não ser que queira travar uma batalha entre ácaros e uma rinite alérgica.
E com tudo isso, talvez o novo tenha dado lugar ao que um dia já existiu. Porém, agora, renascido. A imortalidade nunca chegou em um momento tão oportuno.
Eu gostaria profundamente que tantas livrarias tivessem vida longa como seus adoráveis primos de outros — e outros e outros — graus. Perceber que, aos poucos, cada Saraiva, Travessa, Galileu, pode dar seu último respiro, sem chance para epílogos, é estarrecedor. É um paraíso se transformando em uma terra de histórias que vagam perdidas, agora, em uma terra abandonada. Poltergeists literários. Eles só queriam ser encontrados.
Ana Luiza Portella – estudante de jornalismo