Iniciado a partir do movimento feminista #MeToo, a Cultura do Cancelamento vem sendo debatido cada vez mais nos últimos tempos. Sua criação foi através de denúncias de assédio sexual em Hollywood, tendo condenado o ex produtor de cinema Harvey Weinstein há 23 anos de prisão por abuso e estrupo, mais 5 anos de supervisão fora das grades.
Desde então, o termo cancelar tem sido usado na internet para boicotar pessoas famosas (ou nem tanto) por comportamentos que o público considere como inadequado. A pessoa é exposta por sua conduta e então cancelada pelo comportamento: as pessoas deixam de segui-las e consumir seus conteúdos online ou mesmo físicos. Artistas, influenciadores, atletas e qualquer personalidade pública estão sujeitos a serem cancelados, caso digam algo que as pessoas julguem como controverso e preconceituoso.
O Cancelamento não é direcionado somente a personalidades públicas, pessoas anônimas podem ter tendências a serem canceladas por uma opinião ou atitude que venha desagradar parte de um grupo de amigos, resultando no fim das relações com o “cancelado(a)”. Ao mesmo tempo em que essa cultura se torna uma forma das vítimas terem vozes e procurar por justiça pelas violências sofridas, o cancelamento também tem seu lado oposto. A sociedade acaba por se considerar juiz, sentenciando o caso antes mesmo de se ter provas concretas sobre o ocorrido.
Mas será que cancelar alguém ou algo que não concordamos é bom? E de que forma, o cancelamento afeta a nossa saúde mental? Bom, são inúmeras respostas para perguntas como essas acima, mas o que podemos dizer é que, a cultura de cancelamento nunca esteve tão presente no nosso dia-a-dia, quanto na internet ou na própria mídia. A exemplo do caso ocorrido no Big Brother Brasil 21 nesses últimos dias onde o participante Lucas Penteado foi vítima de um cancelamento por parte da cantora Karol Conká, que o insultou inúmeras vezes e o obrigou a comer longe dos Brothers, dizendo que ele só iria comer logo após que ela acabasse.
Em entrevista ao portal Canaltech, o bacharel em ciências sociais pela USP e gerente de projetos na área digital e redes sociais há mais de 10 anos, Diogo Soares conta como o termo “Cultura de Cancelamento” pode ser tão vasto, uma vez que, ele pode ser aplicado de diversas formas, mesmo que as redes sociais tragam uma aproximação entre as pessoas. “A cultura do cancelamento se difere dessas outras manifestações políticas porque ela se dá em um ambiente privado, na conversa com uma rede social que é privada e que, apesar de ter um caráter público no sentido de que as pessoas estão em um espaço público, o cancelamento das pessoas como um banimento se dá no sentido de uma conta, um serviço, de uma funcionalidade — muito mais no ambiente privado de quem está se mobilizando”, conta.
Portanto, Diogo diz que as pessoas, dentro desse espaço e como indivíduos, são as que definem o que é certo e o que é errado, sem que uma lei ou instituição esteja organizando isso. “Eu te cancelo e eu tenho o poder de fazer isso e eu vou chamar outras pessoas para fazerem a mesma coisa. Então, o que era passível de ter uma discussão pública acaba construindo outras formas privadas de uma cultura que pode dar muito errado, muito rápido”, completa o bacharel, dizendo ainda que isso gera outras culturas mais severas, como a do apedrejamento e do linchamento, de que existe um poder nas mãos que será usado livremente. Todos os passos dessa forma mais agressiva de cultura, para o entrevistado, vão contra uma estruturação de nossa sociedade que preza pela educação das pessoas, pelas suas mudanças e pelas formas de construção mais sensíveis e menos autoritárias. “É um mundo muito mais complexo que vem sendo nivelado por baixo, em uma espécie de movimentação que não passa por questões de valores, mas sim perseguições e outros tipos de sentimento que são muito individualistas”, completa.
A sensação que temos diante da cultura de cancelamento, é que não há regras de forma coletiva, tudo é individualista, e que quem falar mais alto sai ganhando, dificultando a convivência social. De certa forma, a cultura do cancelamento, por estar em um ambiente público, traz a oportunidade de pessoas entenderem as questões graves relacionadas ao racismo, entre outros preconceitos, nunca antes debatidas no offline.
Andrezza Barros – Estudante de Jornalismo e Entrevistadora no andrezzabarros.com/
Gabriel Ferreira – Estudante de Jornalismo