Eu li um comentário engraçado de uma amiga outro dia sobre como é triste gostar de filmes de terror hoje em dia, já que você tem que passar por um processo de assistir a, pelo menos, 30 filmes genéricos ou horríveis do gênero para finalmente poder encontrar e sentir que encontrou um legitimamente bom, ou pelo menos, acima da média. O que com certeza faz de Hereditário de Ari Aster ser um dos grandes ‘acima da média’ por assim dizer, para muitos que o aclamaram como sendo um dos melhores filmes de terror nos últimos 20 ou mais anos, e é decente, com certeza, mas… longe do feito magistral que muitos o colocam como sendo.
Efeito do simples paralelo que pode se dizer que é criado exatamente da factual verdade do comentário inicial, onde que por meio de tantos filmes genéricos para horríveis que assolam o gênero de anos pra cá, encontrar algo que seja minimamente bom e que se sobressaia acima de todo o ar genérico esperado, é claro que a reação vá ser aclamá-lo como inovador, algo que Hereditário está longe de ser…É até difícil tanto quanto é incômodo dizer isso, pois se é perceptível como a direção do filme funciona e tem uma visão muito clara e um manejo bastante sólido para alcançá-la, novamente coisa que raramente se faz falta à esses filmes produzidos atualmente.
Todo o conceito de casa de bonecas pode aparentar até simplório e algo muito mais cara de ser uma idéia de um curta de faculdade de cinema, mas que cumpre seu papel com competência ao querer deixar a ambigüidade por trás das origens do ‘terror’ principal aqui sempre presente. Como se estivesse se esgueirando no canto da tela, se refletindo no clima constante de apreensão de cena em cena, como se cada um dos membros da família e os trágicos acontecimentos que começam a se suceder entre eles estivessem sendo controlados por um mal sem rosto. Ou será que o mal vem de dentro da própria família?!
Uma idéia implantada com elementos bem simples como o fato da mãe construir as casas de bonecas, e mais tarde ela sendo vista recriando diretamente cenas do filme, incluindo a mais brutalmente violenta e chocante que dá todo o furor da trama se iniciar; indicando como se o mal nascesse do próprio ressentimento no seio da família, da dor, sendo os traumas a fonte ‘hereditária’ de todas as causas e efeitos malignos e desconfortantes acontecendo dentro de casa.
E com a câmera Aster reforçando essa idéia, ao fazer a casa se tornar como um personagem coadjuvante, sendo enquadrada com uma atenção peculiar à criação de uma palpabilidade artificial dentro das paredes e em todos os cômodos da casa (tudo bem arrumadinho, bem enquadrado, os takes são limpos, longos e demorados), enquanto que tudo de fora carrega um visual padrão, mais genérico. Pode ser ou falta de mão ou uma escolha deliberada do diretor, e podemos tentar dar o beneficio da dúvida do lado positivo da questão!
Coisas e boas idéias que dão vida ao que está no papel, que se você olhar de perto, é um tipo de trama que é basicamente a mesma, ou pelo menos do mesmo estilo de história de possessão demoníaca no meio familiar de filmes como da franquia Sobrenatural e Invocação do Mal, mas tentando interpretá-lo como sendo um filho pródigo de filmes como O Exorcista de Friedkin ou O Bebê de Rosemary de Polanski, ao buscar colocar o drama na frente de qualquer outra coisa e construir esse terror atmosférico, enquanto que aqui ainda encontre espaço para transportar elementos de rituais e ocultismo para além da mera possessão.
É bem conduzido em quão direto e conciso consegue ser, mesmo que em seu ritmo lento e meditativo, mas o filme auto-sabota essas pretensões ao ser frio quanto até cruel. Não mostrando um sinal sequer de coração e alma nos personagens e suas relações, fora algumas explosões dramáticas, porque tudo parece tratado de forma distante. Alguns podem dizer que é talvez de forma proposital, feito para destacar o distanciamento emocional que a própria família sofre, mas algo que é mal administrado e que prejudica as chances do filme realmente nos fazer simpatizar com os personagens em um nível mais íntimo e envolvente, para aí sim, sentir os efeitos do horror os afetando em níveis para além dos físicos, e nos amedrontar junto a eles.
E para um filme que se diz ter feito a lição de casa que filmes como O Exorcista ensinou, ele falha exatamente na lição mais valiosa, que é ter um coração verdadeiro entre os personagens. Uma grande quantidade de tempo naquele clássico, é dada para nos deixar se aprofundar e passar tempo com leveza e descobrir a personalidade dos seus personagens, sem deixar tudo apenas ser depressivo logo de partida. Mesmo que lide com o tema bem similar, mas que Friedkin lá nos anos 70 sabia que equilibrar a luz bem o suficiente para nos permitir sentir e gostar de seus personagens primeiramente, para então uma vez que o horror é apresentado em sua forma completa na tela, é instantaneamente 10 vezes mais angustiante e, o principal, ASSUSTADOR, pois se torna imersivo, e, portanto, aterrorizante!
Algo que filmes atuais como A Bruxa, O Babadook e até os dois filmes Invocação do Mal dirigidos por James Wan (com uma veia bem mais comercial) entenderam isso muito bem e melhor. Enquanto que Hereditário carece da capacidade, ou da vontade de tentar realizar isso, já que o filme e seu diretor parecem confundir frieza com complexidade artística, já que nem o próprio admite o filme como sendo um ‘terror’ propriamente dito, e sim um drama de personagens. Deixando que ambos, o terror e o drama, no final acabem em um resultado apenas ok, mas longe de se manter em qualquer nível de brilho de genialidade. Que nem mesmo as cenas verdadeiramente aterrorizantes de violência ou de choque, que tentam carregar um ar sóbrio de contemplação visual, não conseguem funcionar com a eficiência que busca transmitir, ainda mais com a trilha sonora exagerada fora de tom que só agrava esse desespero na direção de querer soar ‘sério’ e ‘importante’.
Felizmente, Toni Collette está em sua melhor forma aqui e basicamente carrega o filme quase inteiramente sobre os ombros na maior parte, e Alex Wolff tem alguns momentos inspiradores em convencer o desespero agonizante da história e de seu personagem, mas com o filme nunca fazendo jus ao mesmo, e o coitado de um ator soberbo como Gabriel Byrne é jogado de lado em uma presença alheia como o pai incrédulo cujos únicos traços de personalidade são atender telefones e ocasionalmente fica revoltado com o comportamento paranóico de sua esposa. Mas a jovem Milly Shapiro, mesmo pouco no filme, dá pontos extras em conseguir interpretar a criança perfeitamente assustadora que todo filme de terror merecia ter.
Porém dentro de tudo isso, não sei se o filme fora realmente um feito o bastante, principalmente contando com a Midsommar, para fazer do nome de Ari Aster como uma das vozes de terror mais inovadoras da atualidade. Ele é certamente interessante e que mostra bem mais ousadia do que diretores como Jordan Peele (Corra, Nós), que assim como Aster, possuí uma enorme quantidade de ótimas idéias para seus filmes, mas nunca se compromete totalmente com todas no que parece ser muito tímido para ser gráfico no seu terror, enquanto Aster mostra o gráfico sem medo, mas parece muito tímido para avançar no equilíbrio do manuseio do drama em um nível mais palpável fora de sua austeridade, ou admitir o terror de seu gênero em primeiro lugar.
Mas todos eles parecem não entender totalmente, nem amar o gênero o suficiente para fazer algo realmente especial dentro dele, apenas… acima da média!
Gostou do texto? Então se liga nesse vídeo aqui embaixo, garanto que você vai gostar!
Raphael Klopper – estudante de jornalismo