Gladiador – O Ressurgimento do cinema épico

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Se lembram do tempo quando o grande público realmente se importava e se interessava em ir assistir os grandes filmes épicos antigos e medievais de quase ou mais de 3 horas de duração?! Retratações de caríssima produções sobre os impérios da antiguidade e histórias religiosas, com alguns nomes famosos que vão desde Ben-Hur de William Wyler à Dez Mandamentos de Cecil B. DeMille ou dos primórdios do cinema como Intolerância de D. W. Griffith, entre grandes outros. Bons tempos realmente, e desses tempos recebemos tantos e quase incontáveis filmes do gênero e quase sempre eram uma grande atração de público e crítica  (o blockbuster da era clássica talvez). Não se lembra né? Pois é essa geração deve só conhecer esses filmes como velharia que só pai e tio assistem.

Pois como nada dura para sempre e gêneros quase sempre se desgastam com o tempo, o cinema dos filmes épicos parecia ser apenas uma mera relíquia do passado e longe do interesse público por muito tempo. Daí que vem no final da década retrasada este já bem famoso filme de Ridley Scott que faz 11 aninhos de idade desde seu lançamento essa semana, e que até hoje prova como conquistou o coração de milhões de fãs que o consideram como a definitiva revitalização do gênero épico no cinema atual hoje. E como infelizmente se vê muitos hoje desvalorizando o filme de Scott ao classificá-lo na categoria de simples blockbuster caça níquel com frases de efeito e com uma trama de teor melodramático e clichê, ou uma tentativa falha de ressuscitar o subgênero do “sandálias e espadas”. Mas será que realmente merece ser assim classificado ou julgado?

Um Épico de Respeito

Posso até entender que o filme possa compartilhar dessa semelhança de pura diversão escapista feita apenas para agradar ao grande público de hoje, ainda mais quando ouvimos constantemente a empolgante trilha sonora de Hans Zimmer ecoando nas eletrizantes cenas de ação, com notas e acordeões bem similares com as que o compositor viria a usar nos filmes Piratas do Caribe (e ainda reclamam do uso da trilha aqui que o outro filme na verdade imitou daqui…). Mas não foi tão fácil ou simplesmente à toa que Ridley Scott viria sim conseguir a revitalizar o gênero do épico bem aqui em Gladiador.

Leve em conta de que já na época o diretor não ia lá muito bem nas pernas (nem vai tanto hoje), desde o seu excelente Thelma e Louise e seu subestimado 1492: A Conquista do Paraíso, o diretor não emplacava um bom sucesso nem de público ou crítica, e Gladiador meio que lhe caiu como um presente dos produtores Douglas Wick e David Franzoni. Que permitiram o diretor mostrar seu talento e habilidade em grandes produções e ainda conseguir manter sua marca de autor, mais do que alguns sequer admitiriam que ele possui uma.

Scott é o criador de mundos como bem reconhecido, dá escala e vitalidade ao mundo de seus personagens como poucos cineastas conseguem. Em Gladiador pode não ser nem de perto a melhor recriação de Roma e seu Império, mas é tão notável o quanto ele é capaz de trabalhar tão bem a escala do mesmo. Vamos das florestas geladas germânicas cobertas de sangue da icônica batalha no início do filme, seguindo para o deserto árido e escaldante da região Oriental do Império e depois para a frigida e claustrofóbica Roma sendo engolida pelo caos político que a assola. Mas boa parte que o filme causa certa depreciação em alguns meios críticos hoje, também advém do bom número de vezes que o filme já fora acusado de ser um remake indireto de A Queda do Império Romano de Anthony Mann, um dos maiores e mais caros épicos já feitos, a já tanto tempo esquecido, e que fora destroçado pela crítica e sendo um fracasso de bilheteria monstruoso em sua época, mas que com o tempo fora reconhecido como uma grande subestimada obra do clássico diretor graças a sua abordagem tão lírica, dramática e contemplativa que o filme se revestiu em sua história de traição, amor, e luta pela alma de Roma.

E sem deixar de mencionar o fato de que ambos os filmes lidam com a figura mentora do mesmo personagem: Imperador Marcus Aurelius, após anos lutando nas fronteiras do Norte do Império, que se vendo no limite da futura derrocada do império, nomeia o seu melhor comandante como protetor de Roma e seu sucessor planejando restaurar a República, mas sofre uma traição envolvendo o filho imaturo e invejoso que se auto proclama imperador. Talvez só uma fortíssima coincidência ou uma cópia não tão bem escondida.

Mas encaro o filme de Scott como um bem intencionado e realizado resgate dessa tão forte e complexa história, e que de certa forma a revitaliza para os tempos atuais sem nunca querer desrespeitar seu espírito classicista de sua dramaturgia, e cria-se nela a jornada desse homem justo e humanista que apenas procura sua liberdade, Maximus Decimus Meridius de Russel Crowe. Por essa perspectiva, pode ser notável que o roteiro do trio David Franzoni, John Logan e William Nicholson, constrói o personagem com leves toques semelhantes à heróis clássicos do gênero como o Spartacus de Kirk Douglas do exímio clássico de Stanley Kubrick, conhecido por ter sido talvez o último grande épico Romano do cinema, mas as semelhanças param por aí.

A narrativa nunca realmente se preocupa explorar os temas de dispersão étnica na escravatura ou alegorias sócio-políticas que tanto podem ressoar (e inevitavelmente ressoam) ao longo do filme, mesmo mostrando ter uma notável captura histórica da época com traços tanto bem leais quanto verídicos, desde a dinâmica política do senado operando esquemas de bastidores e tentativas de golpe de poder; ou o caos de violência brutal dos combates do Coliseu sendo usados como pura recreação de entretenimento para o povo; tudo que levou professores de História a mostrar esse filme diversas vezes em aula para dar um exemplo de como o Império Romano funcionava, e também porque todo mundo era novinho demais pra assistir uma série como Roma.

E serve também como outro leve indício da ótima criação de mundo que Scott realizou aqui, com ajuda dos traços de Franzoni no roteiro. Mas contextualizado dentro de um texto que se mostra ser bem mais focado no drama íntimo de seus personagens, assim como o filme de Mann. Se mostrando bem eficiente nisso quando notamos os diálogos tão dramatúrgicos e quase teatrais se desenrolar entre os personagens (notável traço do sempre esguio John Logan) que conseguem carregar um bom nível dramático relacionável graças bem ao talentoso elenco, e uma destrutiva apatia pelo vilanesco Commodus de um desde sempre ótimo Joaquim Phoenix. Mas é na jornada de Maximus rumo a se tornar um verdadeiro herói mitológico em um nível de Hércules ou Aquiles, e do próprio cinema, que o filme realmente brilha. Essa é a pomposidade épica que todos os elementos do filme colidindo buscam criar e com louvor!

Ele se torna o herói que Roma precisa e nós o espectador o exaltamos e glorificamos como se fôssemos o púbico das arenas assistindo aos épicos embates sanguinários e gloriosos entre os gladiadores. E eis aí a perfeita palavra para definir a direção de Scott em cima da história: ÉPICA. Clichê? Dane-se, é a pura verdade! Cada tomada, cenário e costura de ritmo que Scott cria em cima da história aqui pode se figurar num novelão de traição, intrigas e movimentos conspiratórios nas suas cenas mais dramáticas, mas quando é para vermos Maximus em ação em tela a sensação é de estarmos realmente assistindo algo glorioso tomando forma.

Com a bombástica trilha sonora de Zimmer explodindo ao fundo e Russel Crowe com um inegável enorme carisma e presença em cena matando levas de inimigos nas maneiras mais excitantes e gratificantes, com Scott sem poupar nem um pouco das doses de sangue e enquadrando o espetáculo fazendo uma ótima mistura de planos fechados nos combates corpo a corpo com os planos em aberto revelando a escala do caos da ação na arena, com a criação em CGI do coliseu sendo até hoje uma das mais autênticas, quanto palpáveis e imersivas!

É inegável o enorme sorriso e um arrepio de leve na espinha que sentimos ao final icônico confronto que retrata a batalha de Cartago com um final épico inesperado. Diretamente seguido de um épico icônico monólogo de Maximus Decimus Meridius jurando sua vingança contra o falso imperador, em toda sua glória de tragédia grega lírica tomando vida em um filme épico blockbuster.

Talvez seja mesmo um filme que não tenha nada de fato perfeito ou sequer primoroso, mas o grande feito de Scott com o filme se espelha no grande carinho que as pessoas ainda tem pelo filme tantos anos depois, e que garantiu 5 Oscars naquele ano incluindo Melhor Ator e Melhor Filme. Que no final resulta aqui em Gladiador, um dos filmes com mais falhas que você possa querer apontar, mas é um inegável e puro entretenimento que Ridley Scott dirige com o esmero digno de um épico clássico e capaz de conquistar ao público até hoje. E que além disso, se importa de construir uma emocionante jornada para seu carismático protagonista que se torna impossível não se envolver e deixar os olhos marejarem no final!

Se estou entretido, ele pergunta?! Sim, sim estou!


Raphael Klopper – estudante de jornalismo

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