Em busca urgente por uma política ciborgue, um futuro ancestral artificial e uma nova ideia de identidade de gênero, o performer e diretor Flow Kountouriotis idealizou Encarnación, que estreia no Sesc Pompeia. O espetáculo fica em cartaz por lá entre os dias 8 e 18 de fevereiro, com apresentações de quinta-feira a sábado, às 21h30, e aos domingos, às 18h30.
Uma espécie de “fábula especulativa”, o espetáculo é uma insistente reflexão sobre as manifestações de ficção de gênero que trazemos em nossos corpos. Apresenta uma pesquisa sobre a molécula da testosterona (C19H28O2), o que ela carrega bioquimicamente nos corpos, como pode ser manejada em quantidade, manipulada como potencialidade e sua representação social.”
“Quando pensamos em fábulas especulativas, estamos pensando em outras ficções possíveis, outras possibilidades de existência, novas maneiras de se relacionar, novos corpos. Escutamos outras espécies, outras frequências, chamando outras criaturas, evocando o passado e o futuro, praticando outras maneiras de se comunicar. Evocar uma outra narrativa para o cotidiano da humanidade. A linha invisível que define por exemplo o que é natural e o que é artificial em um corpo vai se tornando cada vez mais líquida”, explica Flow sobre esse termo usado pela bióloga e escritora estadunidense Donna Haraway e, aplicado de outras maneiras pelo filósofo espanhol Paul Preciado.
Em cena, o corpo do bailarino desenha um percurso poético que traça as possibilidades que um corpo carrega enquanto tem seu processo de transição hormonal acontecendo, na administração regular de injeções de testosterona, mas também, no uso de outras ferramentas de fabricação de identidade e próteses tecnológicas. Junto ao público manifestam-se algumas ideias de futuros possíveis que aos poucos estão se desenhando.
“Insistimos na manipulação da subjetivação e composição dos corpos para que outros caminhos se apontem; e isso tudo já acontece, não é nenhuma nova ideia ou grande revelação, mas existe a urgência de que seja manipulada de outra forma toda essa alquimia ficcionada. Quando injeto testosterona intramuscularmente no meu corpo, é alterada minha percepção de mundo, e a maneira como o mundo me percebe, são próteses possíveis, disponíveis, complementares”, acrescenta o performer.
Para criar essa discussão, o espetáculo explora práticas de BMC (Body-Mind Centring), manejo do sistema endócrino e diversos dispositivos de produção de corporalidade, evocando um corpo em travessia, na incerteza, na não-evidência, no estranho.
As práticas de BMC (Body-Mind Centring), de acordo com Lucas Brandão, dramaturgista e preparador corporal do trabalho, são uma espécie de abordagem integrada para a experiência transformadora através da reeducação e repadronização do movimento. “Elaborar o corpo através da via somática, e especificamente do Body-Mind Centering é criar estratégias para emancipar-se de noções prévias de si, ampliando as possibilidades de atuação. Se o nosso sistema nervoso é quem rege o funcionamento das glândulas e produção hormonal, ampliar sua percepção é decolonizar infinitas possibilidades de dinâmicas de corpos no mundo”, revela.
Assim como essa ideia de repadronização, a transição de gênero é um movimento constante. “Sinto que todos os corpos, de todos os seres humanos, e seres vivos, junto do planeta e do universo, estão em constante movimento. Mas, em matéria de transição de gênero, acredito que não exista um começo e nem um fim – apesar de cada pessoa ter uma percepção diferente a partir da própria experiência. Há apenas o corpo que existe agora, e os corpos podem mudar ao longo do tempo, transitar pelo espectro infinito que é a produção da identidade do sujeito”, acrescenta.
Ficha Técnica
Direção geral e performance: Flow Kountouriotis
Dramaturgismo: Lucas Brandão
Assistência de direção: Flora Dias
Direção de som: Renan Luís
Iluminação: Lina Kaplan e Flora Dias
Direção de movimento: Key Sawao
Preparação corporal: Lucas Brandão
Figurino: Bruno Correia
Colaboração: Carolina Mendonça
Design gráfico: Juno B
Fotos (divulgação): Mayra Azzi e Thaís Grechi
Assessoria de imprensa: Pombo Correio
Intérprete Libras: Rive Agra
Produção: Aura Cunha | Elephante Produções
Sinopse
Encarnación é uma arena ficcionada, uma antena parabólica, frequência do invisível. Ficções que se acoplam a nós, e com as quais nós dançamos, uma dança perigosa. Movimentos que evocam um futuro multiespécie, um rito de fundação de novas criaturas, novos canais de intercomunicação. Uma fábula especulativa.A obra investiga a produção de novas identidades possíveis através de tecnologias diversas, softwares, próteses acionadas no corpo do bailarino. A alteração manipulada dos corpos como filtro de percepção sensível do mundo. Uma busca urgente por um futuro ancestral artificial. C19H28O2 Uiuiui! La Alquimia
Serviço
Encarnación, de Flow Kountouriotis
Temporada: 8 a 18 de fevereiro, de quinta-feira a sábado, às 21h30, e aos domingos, às 18h30
Sesc Pompeia – Rua Clélia, 93, Água Branca
Ingressos: R$40 (inteira), R$20 (meia-entrada) e R$12 (credencial plena)
Classificação: 18 anos
Duração: 60 minutos
Acessibilidade: sala acessível a cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida
Crédito fotos: Thaís Grechi