Mais do que uma mera figura divina e religiosa, a persona de Jesus foi inesgotavelmente posta no cinema nas mais diversas versões da mesma história, ou que serviu de base inspiradora para filmes como Jesus Cristo Superstar (1973), A Vida de Brian (1979), ou a comédia subversiva A Via Láctea (1969) de Luís Buñuel. Mas quanto aquelas que se comprometeram em contar a mesma exata história, têm-se discutivelmente versões que podem ser consideradas as melhores, “fiéis”, legitimamente boas, ou que dão o verdadeiro significado da figura que foi a figura de Jesus e o que sua história tem a dizer e mostrar em questão de valores verdadeiramente humanistas. Seguindo esta ideai, e aproveitando a época que jamais deve se passar à limpo como mais um mero feriado, aqui vai umas recomendações do que são e foram algumas das diversificadas e melhores versões da já tão conhecida história e que trouxeram Jesus Cristo à vida!
Maria Madalena (2018)
Além do fato de termos em Joaquim Phoenix uma das mais diferentes e puras interpretações de Jesus como uma presença santificada em sua pureza, ao mesmo tempo que carregando um ar melancólico em suas palavras, com pesar por aqueles que ele busca ajudar, o fardo que carrega e já prevendo seu derradeiro destino. Como também temos a figura e personagem de Maria Madalena de Rooney Mara (companheira do ator Joaquim Phoenix) em uma visão diferente do que normalmente se conhece da prostituta adúltera convertida por Jesus, e é mostrada simplesmente como mais uma seguidora de Jesus de força e extrema bondade, compartilhando o mesmo lugar dos leais Apóstolos que o seguem. Além das interpretações, o filme se destaca bem na forma como leva sua trama além do fator religioso e sim como um decente filme de época palpável e de uma realidade bem convencida e um drama humano sincero em suas pretensões.
Ressurreição (2016)
Além de uma história sobre os efeitos das ações de Jesus na vida dos que testemunharam seus feitos, esse bem subestimado filme de Kevin Reynolds traz consigo um conceito bem interessante ao contar essa mesma história através da perspectiva de um soldado romano, Clavius (um ótimo Joseph Fiennes), que sob ordens de Pôncio Pilatos é mandado garantir que o corpo do Nazareno seja guardado para que ninguém possa roubá-lo e alegar que ele ressuscitou, mas assim que o corpo desaparece, ele parte em uma busca incessante em descobrir o motivo por detrás disso. Tirando um ou outro momento que decai no piegas que escapa do tom mais pé no chão em que a trama se propõe, o filme é bem interessante e até envolvente na forma com que constrói a busca de Clavius dentro de uma estrutura que quase lembra um thriller político na forma de um real senso de suspense e mistério conforme Clavius caça os discípulos e a razão do corpo desaparecido. Além de uma retratação fisionômica bem diferente de Jesus conforme conhecemos.
Rei dos Reis (1961)
Uma entre outras histórias de Jesus que foram levadas à escala de um épico bíblico e que podem ser indiscutivelmente melhores do que esta, mas o “Rei dos Reis” de Nicholas Ray se destaca alto no que diz respeito à sua produção pródiga e que não pouca recursos. Tanto em seu núcleo narrativo ao retratar a figura de Jesus menos humano e sim como uma entidade viva de bondade inspiradora, caminhando e vivendo entre nós, embora com uma presença de tela limitada e calculada, seja mostrando ele curando pessoas ou em suas pregações que carregam um real de escopo visual da quantidade de seus seguidores, como também retratados com uma forte e belíssima pungência dramática.
Além de ser um épico bíblico por excelência, com uma boa dose de entretenimento presente na obra, desde o escopo de produção que aparenta ser tão grande quanto caro, com cenários incríveis, figurinos luxuosos e até mesmo intensas cenas de batalha. E realçando uma visão interessante sobre o personagem de Judas e seus motivos para trair Jesus, mostrado ter sido pressionado por uma agonia em ver Jesus como líder rebelde e nada faz mais do que orar no templo, o que o faz decidir forçar a mão de Jesus e mandá-lo preso na esperança que isso vai despertar seus poderes sobre os opressores romanos. O que, para um trabalho de direção contratado para o polêmico diretor Nicholas Ray, ironicamente fez de Judas aqui se tornar mais um de seus anti-heróis incompreendidos, uma de suas marcas registradas em seus filmes.
O Evangelho de Mateus (1993)
Alguém com todo o direito pode preferir a versão de Pier Paolo Passolini que realizou de forma similar a tradução, silaba por silaba, do evangelho em forma de filme, como ele o fez em sua obra-prima “O Evangelho Segundo São Mateus” 1964. Mas o que pode faltar na outra, e que se é amplamente encontrada aqui nesta minissérie de TV é toneladas de coração e amor, trazidas à vida pela atuação de Bruce Marchiano como Jesus. Em contraste com o filme quase frio de Pasolini, o Jesus de Marchiano é imensamente adorável e doce, e tão determinado a ser feliz que mal consegue tirar o próprio sorriso do rosto, e o seu enquanto o assiste. Ele sorri enquanto exorciza demônios, ele ri enquanto prega, ele gargalha enquanto está sob uma cachoeira, trata seus discípulos como verdadeiros amigos, irmão. No entanto, Marchiano dá vida ao personagem de uma forma que poucos fizeram e faz com que as palavras freqüentemente recitadas pareçam naturais e espontâneas, verdadeiras como adoráveis.
Ben-Hur (1959)
Não é um filme de Jesus para muitos, mas um que definitivamente reflete suas ações e feitos ao longo da vida e jornada épica do personagem título. Enquanto que Jesus em si tenha apenas um punhado de cenas e nem mesmo mostra seu rosto, mas quando ele aparece é sempre em momentos cruciais na vida de Judah Ben-Hur (Charlton Heston). A primeira quando ele perde sua família e sua vida, traído pelo seu próprio irmão adotivo Messala (Stephen Boyd), e é vendido como um escravo, com Jesus aparecendo do meio da multidão de zombaria da crueldade, e dá-lhe água em um simples ato de amor bondoso.
E sua outra aparição é no momento da condenação de Jesus a ser pregado na cruz, enquanto que Ben Hur repete o ato em tentar lhe dar água em meio ao caos, e acompanha de perto sua via crucis, e depois de testemunhar de perto o seu sacrifico, testemunha os milagres que a morte de Jesus causou em sua vida, além de salvar a vida de sua mãe e irmã sendo curadas da peste, como também suas ações de humildade e amor que o inspiram no final cometer um ato impossível, perdoar e se reconciliar com o homem que destruiu sua vida, Messala. Mais do que um mero clássico Hollywoodiano premiado, a história de Ben-Hur é criada em paralelo com a de Cristo aqui, sendo retratada como um ato de verdadeira e inspirada humanidade que nos faz querer ser melhores como pessoas!
Jesus de Nazaré (1977)
Talvez a interpretação de Robert Powell seja conhecida como a mais icônica de Jesus já retratada, desde seus olhos penetrantes que parecem atravessar sua alma, céus e mares; fazendo com que cada sílaba que se profere de seus lábios carregue um enorme peso de importância, tanto reflexiva, pregação como artisticamente dramática graças a direção soberba do diretor Franco Zeffirelli, que dá um olhar místico e por que não, verdadeiramene bíblico para todas as cenas, e com a história contada em minuciosos detalhes se alongando por seis horas, que nunca se sentem cansativas graças à um roteiro afiado em seu nível de coesão (pelo mesmo autor de Laranja Mecânica, que interessantemente irônico), e um elenco estelar que vai desde Anne Bancroft, Laurence Olivier, James Earl Jones, Peter Ustinov. Perfeição bem define a experiência de se assistir a essa obra-prima!
A Última Tentação de Cristo (1988)
A para sempre polêmica e eternamente subestimada obra-prima de Martin Scorsese sobre a vida de Cristo, tirando como base a adaptação do também polêmico romance de mesmo nome de Nikos Kazantzakis. Que, assim como fielmente colocado em tela, mostra a visão talvez mais realista como altamente filosófica que se pode ter da história e da figura de Jesus Cristo. Onde além de retratar idéias impensáveis de Jesus sendo tentado pela idéia do casamento com Maria de Madalena, nós temos o que é simplesmente um estudo de personagem brilhantemente roteirizado à medida que seguimos de perto em uma visão às vezes perturbadora, as tentações carregadas por Jesus e jorradas sobre ele em sua jornada, que parte de um simples carpinteiro (que constrói cruzes, já dá pra ter uma idéia do nível da polêmica) para mais tarde ser visto como um líder de rebelião, autoproclamando-se como o enviado filho de Deus.
Curiosamente, assim como brilhantemente, não é apenas a mera idéia de Jesus sentir atração sexual que é o grande foque de atenção, mas sim os prazeres simples dele querer uma vida e uma família, vistos talvez como a tentação mais insidiosa. Afinal, quem não preferiria brincar com seus filhos à ir lutar com a natureza de sua própria divindade, lutar contra o sistema político e começar uma nova religião com milhares de seguidores fanáticos?! É uma história totalmente convincente de um homem torturado pela convicção de que Deus tem um trabalho para ele, e que ele não o quer, e trazido à vida por uma performance extraordinariamente e selvagem de Willem Dafoe e uma ousadia artística flamejante de Scorsese!
A Paixão de Cristo (2004)
Já virou uma seleção praxe, mas simplesmente não poderia haver ou ser outra senão esta já bem conhecida obra aterradora como genuinamente Cristã. Um atestado para a conquista que diretor Mel Gibson conseguiu ao lado do ator Jim Caviezel em uma interpretação que vale uma carreira inteira. Filmes diferentes focam diferentes aspectos da vida de Jesus, enquanto que esse se concentra diretamente em seu sofrimento físico sofrido em todo seu percurso, desde sua condenação à sua morte na cruz, e que talvez nunca fora tão fielmente retratada assim nas telas de forma simplesmente perturbadora. Há momentos de real leveza espalhados no filme, mas durante a maior parte dos 127 minutos de duração, o que assistimos é Jim Caviezel sendo espancado até não sobrar mais nada que lembre sua feição humana e sim uma poça de sangue ambulante. A violência só cessa ocasionalmente para visões assustadoras de um Satanás andrógino.
Enquanto que para alguns é uma exploração ofensiva de violência gratuita e ofensiva em cima do sacrifício de Cristo, o que Mel Gibson realiza é uma busca incessante de ser o mais fiel e autêntico possível ao sofrimento que Jesus sofrera. Realizar uma biografia de Jesus, falada em aramaico, latim e hebraico originais, com atenção minuciosa à cada frase e evento que o filme registra em suas inesquecíveis cenas, servem para mitificar verdadeiramente a história do homem que foi Jesus. Onde seu coração puro e fé inabalável nos desígnios que ele acreditou que Deus lhe deu, foram usados como argumento para ele sofrer a maior tortura que um ser humano foi capaz de passar, e que o filme retrata em detalhes crus e de forma quase documental. E no final de tudo, ele se levanta da cova, vitorioso de seu sacrifício para lavar a humanidade de todo o mal que ela é capaz de prover, e que ele sofreu em sua pele e carne.
Raphael Klopper – estudante de jornalismo