Antes mesmo de meus olhos se tornarem gulosos, as coxas de Hermínia já me fascinavam. Naquele tempo, Hermínia metia-se num maiô inteiro e caminhava com suas coxas em direção ao mar. Conhecedor de seus horários, sempre me antecipava. Ao chegarem à praia, lá estava eu a espreitá-las. Quando Hermínia se desvencilhava da toalha que trazia amarrada à cintura e as coxas se mostravam, meus olhos ficavam febris.
Pouca diferença existiu, pelo menos para mim, no dia em que Hermínia adotou o duas-peças. Dela interessavam-me as coxas.
Maldito seja o inventor do trabalho. Roubou-me as coxas de Hermínia em dias de semana. Além da agonia da espera, o tormento da incerteza. E se no sábado o tempo nublasse? E se chovesse no domingo?
Dias antes do seu casamento, descobri um fiozinho azul numa das coxas de Hermínia, mas nem liguei. Morri foi de inveja do noivo, estirado na brancura das areias, a cabeça recostada bem pertinho do filete azulado.
Consumado o casório, as coxas de Hermínia mudaram-se para longe de minhas vistas. Anos depois, na piscina do clube, ressurgiram: divorciadas, com mais alguns fiozinhos azuis e umas gordurinhas aqui e ali. Sempre aos domingos, as maduras coxas de Hermínia estiveram, por algum tempo, ao alcance do meu olhar.
Ontem pela madrugada, enquanto todos cochilavam, afastei as flores e levantei o vestido de Hermínia. No silêncio da capela, meus olhos viúvos se despediram de suas coxas arroxeadas.


Wanderlino Teixeira Leite Netto nasceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ), no dia 28 de julho de 1943. Reside em Niterói (RJ) desde os quatro anos de idade.
Administrador (bacharelado e licenciatura plena), exerceu a profissão na Petrobras. Aposentou-se em 1993.
Já publicou 25 livros, três deles virtuais. Seu fazer literário abrange poesia, crônica, conto, ensaio, biografia e pesquisa histórica.
Cofundador da Associação Niteroiense de Escritores (ANE). Na categoria de membro correspondente, pertence a várias instituições literárias.
Para saber mais a respeito de seus escritos, acesse www.wanderlinoteixeira.com.br
Durante um longo e expectante tempo, o narrador, compulsoriamente, vive um amor platônico. Contudo, não se trata, obviamente, de “voyeurismo”, como explicam os sexólogos. Na verdade, o narrador vivencia uma paixão proibida, porém, isenta de desejos profanos e o seu objeto de prazer encontra-se no campo cabalístico das deusas.
Sem moldura, nua, é essa capacidade do escritor Wanderlino de nos tocar imensamente num ‘sem rosto’ nem mais conversa, nas coxas de um miniconto. Ousadia, Talento, Maravilha!!
Gratíssimo, querida Beatriz, pelo comentário criativo e generoso. Grande abraço,
Grato, amigo Hilário. Você sempre prestigiando esse escriba com seus comentários pertinentes e consistentes.
Grande abraço.
Obrigado, Hilário. Você sempre dedicando a esse escriba os seus consistentes comentários. Abraço.
Olá, meu amigo, como vai?
Eu entendi o final do conto como uma cena de velório, onde o protagonista, de maneira mórbida e perturbadora, decide observar as coxas de Hermínia mesmo após sua morte. Nesse contexto, a menção às coxas arroxeadas pode ser interpretada como sinais de violência doméstica, sugerindo que Hermínia tenha sido vítima de abuso… Mas como estava divorciada, talvez as varizes tenham aumentado. Triste. 🙁
Um abraço
Olá, Solange. O conto termina mesmo no velório de Hermínia. As coxas estão arroxeadas por conta da ausência de circulação sanguínea. A atitude do personagem narrador, embora mórbida, é também respeitosa. Ele assim agiu para despedir-se das coxas pelas quais nutria uma paixão platônica, mais até do que desejo. Essa foi minha intenção ao escrever o conto, mas ele está aberto para outras interpretações. É isso. Grande abraço,
Wanderlino