A artista visual e escritora carioca Paula Parisot foi convidada para participar da 3ª edição da BienalSur, que acontece simultaneamente em diversos museus e instituições culturais pelo mundo. A mostra, denominada Literatura do Eu, uma exposição-narrativa, em primeira pessoa, apresenta uma série de obras nas quais ela vem trabalhando desde 2016.
“O que é a Literatura do Eu? A ânsia do escritor de falar de si próprio? A necessidade de falar da própria infância, das próprias memórias, dos próprios desejos e frustações? Por que tanto apego as próprias vidas? Por que a recusa da fantasia, da invenção? Por que, hoje, a ficção parece criar ojeriza? Algo se rompeu? A imaginação caiu em descrédito?”, questiona Parisot, criadora da série para TV A Crucigramista – exibida no Brasil pelo canal Arte 1.
Em 8 de setembro, dia do aniversário de seu pai, Parisot inaugura a mostra, que ocupa a Embaixada do Brasil em Buenos Aires, local que representa “seu território”, “sua casa” naquele país.
A mostra é dividida em “capítulos”, como nos livros. Na primeira sala está representada a infância da artista, sua família e o pai dos seus filhos, que morreu. O corredor de circulação recebe desenhos abstratos que representam os seus pais e avós e esculturas em espuma e pintura acrílica de inegáveis alusões fálicas, que representam os homens importantes de sua vida. Esse corredor conduz à grande sala e à instalação A jovem senhora finalmente compreendeu que não há garantias nem almoços grátis, que resume a visão ligeiramente pessimista, embora realista, da artista, onde palavras juradas, o ego satisfeito e a eficácia da sedução não duram. Outros fatores entram em jogo, sendo a fatalidade um deles.
As duas salas subsequentes são dedicadas à videoarte: uma vídeo-performance inédita, captada ao meio-dia de 24 de outubro de 2013 – quando, com seu celular escondido, moveu-se como um lagarto rastejante pelas ruas em ebulição do centro de São Paulo, registrando tudo o que acontecia no nível do solo; o segundo vídeo abre com uma citação de Hilda Hilst – “Se você é coerente consigo mesmo, o resto é suportável. Eu suporto” – e é ambientado na Buenos Aires da quarentena, em 2020, como um “diário visual da pandemia”.
“E a minha liberdade de expressão, não tenho direito a uma autobiografia? Afinal de contas, não dizem que toda autobiografia é auto ficção? Famílias, relações humanas, estados, religiões, governos, tudo permeado pela censura, pelo não dito. Sobre o que não se pode falar, é melhor calar?”, questiona-se. Como os limites entre o público e o privado vem sendo embaraçados pelas redes sociais e as tecnologias de vigilância, Parisot lança o desafio sobre esta falsa liberdade construída sobre a espetacularização da vida privada. “Uma nova era começa: Eu sou Paula Parisot”, conclui a artista num gesto de autorreferência típico da Literatura do Eu.
“Aqueles que nos precedem, o caminho desde a infância quando ainda não falamos, até à livre expressão das angústias, desejos, sucessos e fracassos da vida adulta”, explica a curadora Maria José Herrera, que completa: “A pandemia do Covid-19 foi e segue sendo um longo processo traumático, onde Parisot voltou a escrever os seus diários, que tinham sido interrompidos durante muitos anos. Voltar a deixar os vestígios de seu cotidiano no papel, o único suporte que realmente ouve a voz interior sem a julgar. Falar da própria vida como uma sucessão de páginas de uma literatura visual carregada de símbolos. A distopia das relações humanas marcam os corpos como cicatrizes indeleveis. De onde venho? Para onde vou? Perguntas eternas para respostas provisórias”, como explica a curadora Maria Jose Herrera. “Ontem Rio de Janeiro e São Paulo, Nova York e Paris e hoje Buenos Aires. Em cada cidade a artista abandona o passado e refaz presentes. A condição de estrangeira, que vem atada a língua, da voz de uma artista marcada por sua identidade de mulher.”
“Original e criativa, Paula Parisot encontrou uma nova maneira de apresentar os seus livros, acrescentando a eles elementos da arte performática. Dessa maneira, ela está na vanguarda da abertura de novas possibilidades para escritores e artistas em geral. Para encontrar novas formas de expressão, ela corajosamente cruzou as fronteiras entre a arte de escrever e a arte da performance.”
Marina Abramovic
Tour descritivo
Sala 1– São telas de grandes proporções, como Inpensável e A capacidade de emitir sons – “onde as pinturas se assemelham às imagens desfocadas de um caos primordial habitado por fragmentos”, diz Maria José – e esculturas onde vemos que as mulheres vêm primeiro na sua história familiar: Eu, uma escultura pendurada do teto diante da sua Infância, como que confrontando-a com um gesto ativo e questionador. Parisot, sua mãe e avós partilham o mesmo material suave com poucas diferenças entre elas, partem da mesma matriz formal, esferas cobertas por veludo vermelho, entrelaçadas, atadas entre si e feitas de fuxico.
Sala 2 – O mito não morre, O artista marroquino morto em Paris, O nova-iorquino, Minha mais longa one night stand. “Totens inquietantes que, devido ao seu material poroso e macio, parecem ter sido esculpidos a dentadas, a arranhões”, revela Maria Helena, “as esculturas escondem o que a literatura teria encarnado em vermelho vivo.”
Sala 3 – 8 painéis coloridos que, como cabelos compridos, se arrastam pelo chão, expressando diferentes estados emocionais, as dores e os prazeres do passar do tempo, o ciclo da vida da mulher, a maturidade. Coloridos, intrincados e sempre bonitos, representam o mundo estético de Parisot.
Vídeo 1 – revelando as reações das pessoas, tendo como espectadores um pregador evangélico e os jovens “cultos”. Ambos os espectadores da performance de Parisot são testemunhos muito valiosos para compreender os mecanismos de recepção de arte. Como propôs Umberto Eco, cada leitor tem sua própria enciclopédia e a aplicam à compreensão da ambiguidade da mensagem estética.
Vídeo 2 – “apresenta imagens vertiginosas que incluem flashbacks, um dispositivo narrativo que justapõe o tempo, construindo uma narrativa tridimensional” – como bem define Herrera –, trazendo reflexões sobre sua história pessoal e a pandemia.
“A vida é mudança, eu, você, as moléculas, os vírus, os planetas, as estrelas, os seres. Tudo muda o tempo todo”, diz a artista no último vídeo da mostra. Em um jogo entre imagens e palavras, Parisot revela as mudanças que a pandemia produziu, e ainda produz, num reflexo do padrão que governou sua vida. Diferentes amores, países e sonhos eram a regra de uma existência em que ela diz sentir-se ‘estrangeira em todas as partes’”, conclui a curadora.
Sobre Paula Parisot
Paula Parisot nasceu no Rio de Janeiro e vive em Buenos Aires. Mestre em Fine Artes da The New School University, Nova York. Artista visual e escritora, seu trabalho é fundamentalmente interdisciplinar, uma vez que reúne literatura, pintura, desenho, performance e vídeo. Ela teve uma série exposições individuais relacionadas à sua obra literária, incluindo uma exposição individual na EAV Parque Lage (RJ, 2014) e em Guadalajara (México, 2014). Expôs em instituições como o SESC em São Paulo. Cocriadora com Jessica Mitrani de A Crucigramista (Arte1, Brasil, canal 180, Portugal e 22, México), um programa de TV sobre arte na América Latina. A Crucigramista participou da DOCLisboa, 2018 e da Bienal do Mercosul, 2020. É autora dos livros A dama da Solidão (Companhia das Letras, 2007), finalista do Prêmio Jabuti, (Cal y Arena, 2008 e Dalkey Aclive Press 2010); Gonzos e Parafusos (Léa, 2010, Cal y Arena, 2011) e Partir (Tordesilhas 2013, Cal y Arena, 2013). Parisot trabalhou internacionalmente na divulgação da literatura brasileira na organização de antologias como La Invenciono De La Realidad (Cal y Arena, México, 2014).