O livro pode ser lido na íntegra em www.wanderlinoteixeira.com.br
Pimentas e caramelos
Carrego comigo um pote de lembranças
que às vezes se derramam sobre a mesa.
Essas coisas todas que já foram antes,
nos bons momentos e nas crises,
têm dois matizes:
ora lembram crianças brincantes,
ora mostram cicatrizes.
São desse jeito: leveza e nó no peito.
Rua nua
Onde os tico-ticos, os pardais,
os amplos quintais, os pirilampos?
Por onde andará o perfume de jasmim
do jardim que já não há?
Buquê em branco e preto
Por conta de desamores
que lhe roubaram os sonhos
e provocaram desgosto,
a mulher que vende flores
tem no rosto olhos tristonhos.
Espectador
Estendidos na calçada,
os que nada têm, os desvalidos,
gente que nem sei como resiste.
No aconchego da loja envidraçada,
um manequim sem rosto a tudo assiste.
Simples assim
O cheiro de jasmim do jardim do vizinho,
um gole de vinho em fim de tarde,
um gesto de carinho…
Gosto do que ocorre sem alarde.
Todo cuidado é pouco
Ao final da tarde,
quando o Sol já não arde
e o sino da matriz entoa um canto triste,
atente para o perigo:
sorrateiro, o tédio insiste em se fazer presente.
Jeito manso, matreiro, dissimulado,
sempre busca encontrar abrigo
no peito de um desavisado.
Louvação às minudências
Borboletas ensaiam um balé alado,
um gato com enfado se espreguiça,
um raio de sol se infiltra na treliça,
uma enxada atiça o ventre da terra.
Ergo um brinde à Natureza,
à sutileza que o momento encerra.
Desamparo
Essa hora tão incerta,
repleta de luz e sombra,
me induz a ter cuidado.
Forte nó me aperta o peito
e me deixa com esse jeito
de cachorro abandonado.
Mutação
Os curupiras, os boitatás, as caiporas,
tão presentes nos outroras,
já não causam alvoroço.
Os seres que assombram os agoras
são todos de carne e osso.
Ciranda de outroras
Minhas saudades são sorriso de criança,
dança de pássaro no jogo da sedução,
sopro de brisa que me afaga o rosto,
aroma e gosto de fruta boa.
Minhas saudades são aconchego, são abrigos,
são canções que o tempo entoa
na concha dos meus ouvidos.
Côncavo e convexo
A mãe acompanha de perto
o caminhar incerto da filha criança.
Segue atenta ao trança que trança
daquelas pernas vacilantes.
O tempo passa. Inclemente.
Nada como era antes,
ao sabor do antigamente.
Hoje em dia, prova de amor,
cabe à filha acompanhar de perto
o caminhar incerto
da velha mãe distante e arredia.
Fiandeira
Esteja sempre atento ao que acontece:
a vida, artesã de cada dia,
ora tece, ora desfia.
Inverno
Sob os olhares piedosos de quem passa,
idosos sonolentos
aos quais a praça dá guarida
se aquecem sem nenhuma pressa
envoltos em esparsos pensamentos:
lascas de vida… fragmentos…
Cara e coroa
O sorriso que enfeita o rosto
pode esconder um desgosto.
Leve também em conta:
a sombra surge tão logo o sol desponta.
Tudo tem o lado oposto,
um véu espesso, um ponto imerso, a outra parte.
Atente para o avesso:
olhe a vida de frente,
mas não descarte o verso.
Cumplicidade
Quero ter comigo alguém capaz
de partilhar os meus segredos,
de conhecer os motivos dos meus ais,
dos meus silêncios, dos meus medos.
Um brinde à vida
Usarei toalha de linho
e beberei bom vinho
em taça de cristal.
Mas a mesa será posta no quintal,
à sombra de uma árvore florida.


Wanderlino Teixeira Leite Netto nasceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ), no dia 28 de julho de 1943. Reside em Niterói (RJ) desde os quatro anos de idade.
Administrador (bacharelado e licenciatura plena), exerceu a profissão na Petrobras. Aposentou-se em 1993.
Já publicou 25 livros, três deles virtuais. Seu fazer literário abrange poesia, crônica, conto, ensaio, biografia e pesquisa histórica.
Cofundador da Associação Niteroiense de Escritores (ANE). Na categoria de membro correspondente, pertence a várias instituições literárias.
Para saber mais a respeito de seus escritos, acesse www.wanderlinoteixeira.com.br
Um brinde à vida, meu amigo. Sei que esse ano você já brindou bastante. E que bom que você achou “alguém capaz/de partilhar os meus segredos,/de conhecer os motivos dos meus ais…”.
Pois “o tempo passa. Inclemente”. Sei que estão aproveitando bem. Um abraço
É isso, prezada Solange. Grato pela leitura e pelo comentário sempre pertinente. Abraço
Tenho um amigo, também escritor, com quem mantenho correspondência virtual nestes tempos modernos. Em nossas trocas literárias, disse-lhe não gostar de autores que, talvez inconscientemente, procuram prevalecer o Ego em detrimento à obra que executam. Caso visivelmente oposto encontro no poeta Wanderlino Teixeira Leite Netto, cujos verso e prosa mantém-nos inseridos no conteúdo laborioso da boa arte. Posso exemplificar citando o caso de um baterista integrante de uma banda musical, em plena apresentação, a exibir o seu trabalho de modo extravagante e chamativo a desviar para si a atenção do público. Ao contrário, como disse, Wanderlino posiciona o leitor no âmago harmonioso daquilo a que se propôs: transmitir, no contexto e no conjunto de sua peça literária, o sentimento original que trespassou a sua alma e imprimiu-se na folha de papel. E tudo sem mirabolantes malabarismos, como reza a cartilha infalível da literatura universal.
Grato, prezado Hilário, por sua presença sempre constante e pelos comentários generosos. Grande abraço
É isso, prezada Solange. Grato pela leitura e pelo comentário sempre pertinente. Abraço.
Hilário, por um descuido enviei também para você o agradecimento postado para Solange Firminino.