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Ambivalência
Diante desse tudo
ou desse quase nada
não sei se volto ao caminhar miúdo
ou solto o pé na estrada.
Se desato o laço dessa corda bamba
ou ato o nó na alça da caçamba.
Se queimo vida nesse fogo-fátuo
ou se de fato tento nova ida.
Se afasto o tule dessa nova ela
ou se entulho a talha com esse vinho velho.
Se curto o corte dado no baralho
ou meto o mano e me amortalho.
Se mato o mito que se mete em mim
ou se me omito e me torno mudo
diante desse nada
ou desse quase tudo.
Enigma
Diga, mano:
Você, que no lombo da vida fincou espora,
que viu sangrar a ferida,
que sentiu o pranto secar,
diga para mim,
equacione o problema:
é a vida axioma ou teorema a vida é?
Me apresente solução:
carece ou não carece de ampla demonstração?
Diga, mas diga já,
se tiro água da pedra
ou aguardo a hora da queda,
se me retiro de cena
ou se recito a novena.
Antes que desça o pano,
diga, mano,
com a coragem de quem assume,
com a ousadia de quem aposta,
que mesmo acendendo o lume
você não tem a resposta.
Transe
Transe uma esperança marota
de que volte o coreto à praça
transformando a agonia
na alegria da massa.
Transe uma esperança vadia
de que a noite em dia se faça
transformando a hora do caçador
no sublime momento da caça.
Mas não creia piamente
que caça possa de fato caçar,
não fique apenas na crença
esperando clarear
nem almeje alegria vasta.
Transe enfim mais nessa dança.
Só esperança não basta!
Poema para o respeitável público
No meio do picadeiro,
berro palavras para sádica plateia ávida de emoção.
Inicia-se a função!
Da cartola da infância, retiro sonhos para o meu sustento
(cena de um quase nada,
coloridas ilusões carregadas pelo vento,
escapulidas pela lona esburacada).
No quadro da adolescência sou equilibrista e palhaço.
Busco vergar o aço, ouço a risada da pista,
despudorada, sem complacência.
Na metade do espetáculo, já não meço obstáculo:
arrisco-me no espaço,
empunho espadas aguçadas,
domo feras desdentadas,
mas não fujo tanto assim da figura do arlequim.
Entre palmas e apupos, prorrogo a encenação,
pois no final da função,
no triste abaixar do pano,
mágico, palhaço, equilibrista, domador,
juntos estarão,
unidos na mesma dor.
O homem de La Mancha
Dispa seu terno,
vista sua armadura de vinil,
erga seu escudo de acrílico,
empunhe sua espada de isopor,
enfrente os luminosos moinhos da cidade
e tudo que o espera.
Seja breu e claridade,
seja santo, seja fera.
Oh, fidalgo do asfalto,
Quixote moderno!
Contrate para sua andança
um esbelto Sancho Pança
e um fogoso Rocinante.
Mastigue esperança vã,
engula essa panaceia:
em cada esquina uma Dulcineia
alucinante e sem sutiã.
Faça agora como o parceiro de outrora:
seja espantalho e papão,
viva louco e morra são.
Apologia da solidão
Em meio à multidão,
diluído na incerteza dos conflitos,
respirando angústias,
deixo de ser eu mesmo para ser todos.
Em meio à multidão,
perco a unidade,
ganho alma urbana.
Em meio à multidão,
absolvo
se aquele olhar me pareceu sereno,
condeno
se aquela voz não me agradou.
Em meio à multidão,
aprecio,
repudio,
admiro,
menosprezo,
aponto desapontos.
Em meio à multidão,
deixo de ser alguém.
Estando só, reintegro-me.
No isolamento, volto a ser gente
Na solidão sou todos
sem que precise ser alguém.
Fecundação
O orvalho resvala na relva,
roça de leve o talo,
mas logo a terra trata de tragá-lo.
Persistente, umedece a semente,
que no ventre da terra, adormecida,
encerra, silente, a Vida.
Funeral
Finda o fúnebre cortejo.
Vejo anjos no mausoléu,
mas não antevejo o céu.
Espelho
Encurte do passado essa distância,
encolha essa lonjura do futuro,
avoque enfim o desafio
de, atando as pontas desse fio,
enfocar o tempo em nova dimensão.
Trate de trocar trilhos por trilhas,
ouse dispersar velhas quadrilhas,
arrisque atiçar mancos demônios,
busque convocar duendes tantos,
tente enxugar todos os prantos
na hora de encarar sem entretantos
seus medos, seus sustos, seus espantos.
Stop
Vamos ficar
no tanto faz como tanto fez.
Vamos pensar
que tudo foi como tem que ser.
Vamos crer
ter sido na hora certa,
antes que nossas dores
se tingissem das mesmas cores,
antes que nossos passos
nos levassem para o descompasso,
antes que entre nós
se fizesse uma distância,
se criasse uma ausência,
se formasse uma descrença
e tudo se afastasse,
tudo se desfizesse,
tudo se destruísse.
Vamos acreditar ter sido melhor assim:
o final antes do fim.
Elaboração
Não peço régua e compasso,
me desfaço da trena.
Meu passo, não meço.
Se tropeço, refaço a cena.
Vide versos
Cate esses versos esparsos,
faça com eles como o pintor faz com traços.
Teça uma trova, um haicai, um soneto,
um épico, um poemeto.
Vista capa de vate, trate de versejar!
Não sabe arrumar a rima,
nem se anima a metrificar?
Tem nada não:
use então versos brancos,
mas não deixe assim dispersos
versos tantos.
(Con) vivência
Quem não procura camuflar seus arremedos?
Quem não se envolve na teia dos enredos?
Quem não se atrela ao reboque dos seus medos?
Quem não se impõe fugas e degredos?
Quem não se asila em cavernas e rochedos?
Quem não cultiva íntimos segredos?
Quem não convive com seus feudos, com seus ais?
Quem, dentre os mortais?


Wanderlino Teixeira Leite Netto nasceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ), no dia 28 de julho de 1943. Reside em Niterói (RJ) desde os quatro anos de idade.
Administrador (bacharelado e licenciatura plena), exerceu a profissão na Petrobras. Aposentou-se em 1993.
Já publicou 25 livros, três deles virtuais. Seu fazer literário abrange poesia, crônica, conto, ensaio, biografia e pesquisa histórica.
Cofundador da Associação Niteroiense de Escritores (ANE). Na categoria de membro correspondente, pertence a várias instituições literárias.
Para saber mais a respeito de seus escritos, acesse www.wanderlinoteixeira.com.br