Agnès Varda e sua contribuição ao cinema: brilho eterno de uma mente rica em lembranças

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Na última segunda, dia 29, completou-se dois anos da morte da cineasta e fotógrafa nascida em Bruxelas, Bélgica, que pavimentou sua vida e talento na França. Se destacou por oferecer ao mundo uma forma diferente de contar histórias e fazer filmes, nos quais focavam em um realismo documental carregado de críticas, contracenados por atores amadores — o que era incomum nos anos 50; além de que utilizava locações reais para as filmagens, mesmo havendo toda a dificuldade presente da época pelas limitações tecnológicas que forçaram muitos diretores a recorrerem para estúdios—; mas sobretudo, destacou-se por ser a única figura feminina no meio cinematográfico.

Varda foi a única mulher a ganhar a Palma de Ouro e o Oscar, ambos honorários. Em mais de 60 anos de carreira, é referência do movimento vanguardista Nouvelle Vague e uma voz feminina potente de uma Europa cinquentista, sempre engajada, também, na política e no feminismo, representando cruamente os grupos marginalizados em suas obras com muita autenticidade e paixão.

Em 90 anos de vida, fez muito. A cineasta belga ousou mostrar uma peculiar perspectiva de muitas histórias, nos deixando uma vasta filmografia como herança para o futuro do cinema. Com isso, dando vida a sua memória, apresentarei algumas de suas criações para aqueles que querem navegar no mar aberto de Varda.

La Pointe Courte, 1955

Esse foi o primeiro longa-metragem de Varda, tornando-se pioneira ao criar um prólogo para o movimento Nouvelle Vague, que apenas veio a ter seu apogeu no fim dos anos 50. A ideia para a obra não foi planejada, muito pelo contrário. Ao viajar para Sète — porta para o Mar Mediterrâneo — para tirar fotos a favor de uma amiga que não poderia mais visitar seu lar, decidiu alugar uma câmera e produzir um filme ali mesmo, depois de se sentir fortemente envolvida pelo lugar. O orçamento não ultrapassou de $14,000.

A narrativa envolve um casal que luta contra a correnteza da separação. A jovem mulher viaja de Paris até uma aldeia próxima a Sète, chamada Pointe Courte, ao encontro de seu marido, que nasceu e foi criado nesse vilarejo de pescadores. Enquanto os personagens caminham pelo simples bairro mediterrâneo dialogando os motivos de sua possível separação, acompanhamos também a vida pacata das famílias que residem o local, desde sua rotina de pescaria à festividades que unem todos os moradores alí.

Agnès mescla perfeitamente a ideia de documentário e ficção. O ambiente simplista ultrapassa o preto e branco, nos tornando próximos do casal ao ponto de ansiar por sua decisão final e de sentir o cheiro de maresia e peixe fresco que inunda a atmosfera.

Cléo de 5 à 7, 1962

O drama franco-italiano foi o segundo longa-metragem de Varda e um dos mais memoráveis de toda a sua filmografia. A obra foi indicada à Palma de Ouro do Festival de Cannes e vencedor da categoria de melhor filme pelo Sindicato Francês de Críticos de Cinema.

Aqui temos Cléo, uma cantora, à espera de um exame médico que dirá se tem câncer. Completamente deslocada, percorre pelas ruas de Paris por uma hora e meia, até o horário do resultado da biópsia sair. A personagem, fortemente conectada por uma espécie de imortalidade da beleza, se depara em um estado de ‘bomba relógio’, como se pudesse sumir a qualquer momento, sem deixar rastros. Do prólogo ao epílogo, da saga de fugir do alcance da morte à aceitá-la, vemos Cléo esboçando sinais de felicidade durante sua solitária caminhada pelas ruas francesas. Pela primeira vez, depois de muito tempo, sentia-se satisfeita pelos pequenos detalhes capturados. A cidade barulhenta a envolvia em uma redoma não mais fantasmagórica, mas esperançosa.

Em uma narrativa existencialista, um show de melancolia firma suas raízes instintivamente. Toda a obsessão de Cléo por sua imagem e beleza estonteante, é aos poucos quebrada ao longo que o relógio trava uma dança com os ponteiros até às 7 horas.

Black Panthers, 1968

Enquanto passava um tempo na Califórnia, Varda gravou um dos documentários mais relevantes de sua carreira. No verão de 1968, protestos do Partido dos Panteras Negras varriam toda Oakland contra a prisão injusta do líder do movimento, Huey. P Newton.

Em um curto documentário, a diretora belga nos mostra as nuances do movimento, indo de comemorações com muita música, até um grito de justiça que revolucionou ideias da luta negra no país. O próprio líder do Partido é entrevistado exclusivamente, falando sobre o pobre tratamento enquanto encarcerado e os ideais dos Panteras Negras, que inclui proteger a comunidade negra contra a violência da polícia e seus direitos. Também é entrevistada Kathleen Cleaver — hoje, professora de direito —, que teve um importante papel durante todo o movimento, atuando na organização das manifestações, elaboração de panfletos, conferências de imprensa, criação de pôsteres e palestras; sendo, acima de tudo, a primeira mulher membro do corpo de decisão do Partido.

Em 28 minutos, Agnès Varda deixa claro sua intenção: que estaria disposta a representar em seus filmes todo seu engajamento político e, principalmente, no que acreditava.

Vagabond, 1985

Traduzido como ‘Os Renegados’ ou ‘Sem Teto Nem Lei’, o filme conta com a personagem insatisfeita do seu modo de viver e abandonando-a, aderindo a jornada de caminhar livremente por todos os lugares que surgiam em sua frente, no inverno da França. Dizem por aí, com teorias envolvidas, que a obra inspirou também Into The Wild, filme baseado principalmente no livro homônimo de Jon Krakauer.

Adotada uma narrativa não linear, tudo o que sabemos da personagem, logo ao começar o filme, é que está morta. Seu corpo é encontrado, mas sua trajetória é desconhecida por todos. Varda vai nos introduzindo a sua história, como Mona e andarilha solitária, que cruza o caminho de várias pessoas durante a narrativa, impactando suas vidas de alguma forma, mesmo que tenha sido apenas de passagem. Descrita como ‘mendiga’ e ‘suja’ por essas pessoas, nota-se que, mesmo havendo tantos motivos para falarem da jovem de maneira negativa, ainda era o assunto principal de cada um deles. Mona havia se tornado uma grande pauta momentânea em suas vidas por apenas fazer, facilmente, aquilo que todos mais desejavam, mas, não tinham coragem: ser livre.

Mona é a representação da recusa de viver em uma realidade de submissão e libertação do medo, unindo-se vagarosamente nas mãos de uma dualidade entre a solidão e ser de fato solitária.

Ana Luiza Portella – estudante de jornalismo

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