A Mulher na Janela – É tão ruim que é divertido demais!

16 min. leitura

Pode até parecer estranho começar um texto assim, mas a reação imediata após assistir ao filme é exatamente essa: Estou confuso, meio desapontado, e ao mesmo tempo… encantado?!

Suponho que seja esse o tipo de reação que você tem depois de assistir a algo que você simplesmente não esperava absolutamente nada, mesmo que os talentos por trás do filme falassem bem mais alto do que quaisquer suposições céticas pré-concebidas. Mas quando os costumeiros boatos e notícias desagradáveis começam a pipocar sobre o filme e ressaltando sobre a sua problemática produção nos bastidores, a sensação de que isso resultará sem dúvida alguma em uma inevitável bagunça. Dessa vez, as sensações estavam certas, mas também mistas… em relação à A Mulher na Janela.

O filme certamente teve um boca a boca decente na época quando deveria ser lançado entre 2018 e 2019. O romance de mesmo nome de A.J. Finn tem lá seus fãs admiradores (e os que tiram sarro do mesmo), com um enredo sugerindo essa ideia interessante de uma “versão feminina de “Janela Indiscreta” (mesmo que não seja algo nada lá inovador), e Amy Adams ainda tem um apelo de estrela para envolver as atenções do público mainstream. Mas, depois de tantos atrasos, e depois a pandemia que limitou os lançamentos nos cinemas indefinidamente, o interesse e até mesmo o conhecimento em torno do filme começaram a esmaecer no esquecimento, mas graças a Netflix que veio e salvou algo que custou tanto para ser feito, tanto no espectro financeiro quanto no criativo!

Com um resultado final aqui se mostrando realmente como algo muito melhor do que o esperado, mesmo que isso não seja dizer muito, pois o filme é uma verdadeira bagunça completa em todos os níveis imagináveis no que diz respeito à sua estrutura, as performances do elenco, e o mais importante, sua identidade como filme! MAS, mesmo assim, o filme é meio que divertido por causa dessa mesma bagunça de resultado. E não, isso não é tentar salvar o filme definindo-o como um “guilty-pleasure”, porque o filme nem é tão terrível assim para isso, principalmente por ter algo a seu favor dentro de seus contornos, sustentados tanto por uma grande atuação legítima de Adams, e alguns momentos interessantes na direção de Joe Wright.

Execução mais perdida que cego em tiroteio!

Mesmo que o mesmo pareça ser o mais confuso com tudo em torno da natureza do filme e o que ele deseja capturar através dele, resultando em um pacote cheio de idéias nebulosas e temas nunca totalmente explorados. É reportado que o filme passou por tensas exibições teste, então a quantidade de refilmagens e re-montagens que devem ter acontecido quanto à estrutura do filme é apenas imaginável, e o que está na tela claramente parece ser os restos confusos do material que eles fizeram. Com uma história principal que não ajuda muito no que diz respeito a um fator interessante, pois é um pacote cheio de convenções, pelo menos o suficiente para sustentar um thriller de suspense decente, nem inovador nem especial. O protagonista vê um assassino ou suspeita de algo, é questionado por todos e tem que provar a todo custo a verdade dos fatos – deve haver pelo menos 100 filmes com essa premissa!

Mas o enredo é apenas um esqueleto, como em qualquer filme, e você pode fazer qualquer coisa com ele como diretor, seja levando-o ao convencionalismo esperado, ou se for bom, fazer algo único, o que ironicamente este filme é meio que as duas coisas … já que brinca com tanto e, ao mesmo tempo, tão pouco. O que poderia simplesmente ser mais um clássico de suspense das madrugadas do Supercine que você assiste antes de dormir, consegue prender sua respiração em uma despretensiosa diversão e te deixar ir dormir com um soninho pesado logo em seguida. Se apresenta como algo que se finca entre uma linha tênue entre ser um suspense de aspiração clássica dramática, ou uma galhofa de terror assumida.

Joe Wright é um diretor classudo por essência e tem um virtuose e senso de estilo o suficiente para puxar referências cinematográficas interessantes, algumas bem jogadas e diretas de tão óbvias, e outras minuciosas na forma com que ele aplica tanto um traço dramático psicológico que ele tira de Hitchcock, com uma virtuose visual digna de um Brian De Palma, até se usando de ‘split-diopters’ – quando se divide a cena filmando dois planos diferentes, um em primeiro plano e o outro em segundo – um dos fetiches clássicos de ambos diretores, mas que aqui não se encontram um sentido além do que pura homenagem gratuita.

A ponto da história ser quase deixada de lado apenas para focar na criação do estilo em si em busca de personifica algum tipo de “pesar melodramático” dentro do espectro de realidade da personagem principal, isolada em seu profundo estado de solidão. Porém fica nesse impasse, de ser uma história que quer se vender pelo puro estilismo e vender uma experiência de suspense despretensiosa e em momentos até consegue ser tensa.

Mas ao mesmo tempo se abre a fazer referências diretas tanto ao próprio “Janela Indiscreta” (só que bem menos do que se poderia esperar), e até à “Quando Fala o Coração” (Spellbound) também de Hitchcock, dando parecer que toma uma vertente analítica da natureza psicológica por detrás da condição mental da protagonista em sua ‘agorafobia’, vindas de um trauma profundo que a deixaram no estado em que ela se encontra (típico Hitchcock em todos os recantos disso). Agora fazer isso realmente bem é outros por centos!

Enquanto que o filme em si mais acabe ressoando como um disco arranhado em sua linguagem visual e de tom confusos. Wright claramente tenta brincar com a montagem da história a partir das narrações se cruzando em off e com diálogos e cenas pulando de um para outro como se fosse uma orquestra visual arranhada, Fazendo essa mistureba de cores, ritmo, e com a música quase imparável da trilha sonora de Danny Elfman tocando no fundo, tentando criar essa obra estilosa e pirotécnica.

É Drama, Terror, ou Comédia?! Ou todos…

Mas não sei se ele é realmente a pessoa indicada para isso visto que o mesmo sempre foi um classudo por natureza, mas não é a primeira vez que ele tenta se desconstruir em prol de uma vertente mais comercial e afável – vide o vexame que ele fez em seu Peter Pan; e claro, tornar o que é uma história bem básica e inevitavelmente clichê em algo de fato especial. Infelizmente ele não é um David Fincher para fazer isso funcionar em deixar o estilo não só ressoar “bonito” esteticamente como parte integral da história, porque, novamente, o próprio estilo se encontra em uma completa bagunça.

Ao mesmo tempo que se usa da cinematografia de Bruno Delbonnel para brincar com cores abundantes, ângulos chamativos, efeitos especiais se eclodindo em cenas inesperadas e dando um toque quase surrealista, até se tornar algo perto de um Giallo Italiano. E, similarmente a um, o filme até vem a explorar personagens de psique perturbada, oras em demonstrações gráficas e violentas, sem falar dos policiais inúteis que nunca acreditam na vitima – típicas coisas que você veria em qualquer filme de Dario Argento ou Lucio Fulci nos anos 70.

Enquanto que até tenta explorar isso bem mais a fundo perto de seu clímax quando revela o “quem” por detrás disso tudo como um psicopata pervertido, com diálogos expositivos digno de um, mas tão coxos e saindo de forma tão irregular e algo que acaba soando mais perto de um slasher dos anos 80, embora nem mesmo tão sadicamente catártico como um. Mas, falando sério, em toda a bagunça que o final se amontoa, com visuais dignos de um desenho animado e acrobacias que deixariam Buster Keaton orgulhoso, é um caos ridículo de violência e visuais explodindo em algo tão exagerado e ridiculamente brega que causa os melhores risos involuntários do filme inteiro!

E presumindo que o filme tenta sim brincar com esse traço de terror já desde o início, quando faz poças de sangue explodirem na tela do nada de maneira quase cartoonesca, que mais acabam soando como bizarrices. E que se repetem quando certas transições de cena parecem fazer um barulho de troca de filme de fotografia – como se tudo que Anna visse fosse parte das suas observações de stalker que ela faz da janela observando os vizinhos. Então você nunca sabe se é propositalmente uma forma de redirecionar o estilo para refletir a própria psique conturbada da protagonista, ou se é apenas o resultado da execução embaralhada.

Ainda mais quando o filme é repleta de ocasiões dramáticas que simplesmente soam cafonas e caem em exageros que conseguem ser involuntariamente hilários, seja com a Anna de Adams reagindo a um tapa que outro personagem levou como se ela mesmo tivesse levado no melhor estilo novela das nove, ou uma cena de teor de suspense tendo a personagem se assustando com um saco plástico que aparece do nada (e é levada à sério).

Ou as atuações incrivelmente exageradas como se realmente pertencessem a um elenco de novela e com diálogos que os atores entregam parecendo estarem com uma espécie de hemorragia interna ou com dor de barriga, com pressa que acabe logo, alguns com mais efeitos do que outros – Gary Oldman no pouco que está aqui parece que está prestes a ter um derrame de toda a maldade caricatural que ele toma aqui; ou Brian Tyree Henry parece sonado de tanto desinteresse no papel, enquanto que Julianne Moore parece estar um passo da cena icônica dela no filme “Mapas para as Estrelas”.

Adams felizmente se sustenta muitíssimo bem no que pode se discutido como uma de suas melhores atuações. Mesmo com o roteiro de escrita falha e capenga ela consegue entregar o escopo interno da personagem quebrada e doente emocionalmente em suas feições exteriores desgastada com tudo mesmo que tentando disfarçar com um humor ácido. E o que torna a sua atenção voltada no mínimo de interesse para o filme é a própria no comando da história, já que a mesma envolve todo ao redor dela. O que acaba sendo tanto um acerto quanto um erro falho do próprio filme.

Boas ideias, poucas oportunidades…

É nessas horas que o papo de discussão sobre “o quão fiel ao livro o filme é” entram em forte influência dentro de um filme que sofre com essa maldição, onde mesmo que duas obras devam ser diferentes e funcionar independente uma da outra, para quem já leu a obra de A. J. Finn sabe as boas oportunidades que o filme perde, ou nas decisões que toma ao se afastar do que poderiam ser suas forças, já que no livro a questão da ambigüidade de Anna como uma narradora não confiável é apresentada de forma muito mais clara bem mais cedo na narrativa do livro, e que ia além do seu estado de agorafobia, o que automaticamente já deixava o suspense da situação em uma real penumbra em conseguir deixar o leitor cético quanto à legitimidade do que a protagonista realmente viu ou fala que viu.

O filme vem a por essa ideia na mesa, só que como uma espécie de reviravolta que não vem nada como chocante só que inexplicavelmente perto do final, tentando convencer que todos os lapsos narrativos confusos que vinham do resto do filme até então como parte do emaranhado psicológico que a personagem estava enfrentando em seu estado de afogada em traumas e perdas do passado que turvam sua memória e foque na realidade no presente. Só que aí o filme continua cometendo os mesmos escorregões dali em diante, só que pior ainda, e tudo fica ainda mais confuso, e ainda mais engraçado de se assistir!

Amy Adams postou sobre o filme no Instagram logo após o lançamento, e ela parecia legitimamente feliz com o filme, pois foi sim uma espécie de grande projeto pessoal para ela e se divertiu ao fazê-lo. Sem dúvida, havia algo de bom aqui dentro, o elenco está cheio de grandes nomes, Wright poderia ter feito o maior suspense da década com este que deveria ter sido um grande sucesso. Mas, em vez disso, o que obtivemos com “A Mulher na Janela” foi um projeto de Frankenstein que parece Hitchcock, mas parece mais uma sátira indireta do mesmo.

Talvez se tivesse se rendido mais a despirocação insana que a obra apresenta e ter se levado bem menos à sério, com certeza o resultado seria melhor, mesmo se longe das intenções originais dos criadores, mas ao mesmo tempo meio que tiraria a diversão garantida que o filme acaba entregando com a bagunça que é. As vezes o ruim e a galhofa tem mesmo seu charme!


Raphael Klopper – estudante de jornalismo

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