A morte da Moreira César

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A Rua Moreira César, em Icaraí, Niterói, morreu! Ninguém me disse, eu mesmo vi.

Logo no começo, perto da tradicional e mais badalada padaria da cidade, inaugurada em 1942, um músico, com a guitarra tatuada com a Cruz de Malta na parte de traz, arranca das cordas um blues para adoçar ainda mais o ouvido de quem busca nas imediações por uma delícia da charmosa confeitaria da esquina com a rua Presidente Backer. Isso mesmo, vascaíno e bluzeiro.

No mesmo lugar, em dia em que o cruzmaltino guitarrista dava o tom longe dali, quem assumiu o ponto foi nada menos do que uma bailarina de dança do ventre, embalada por música árabe eletrônica. Muitos olhos balançaram na cadência dos quadris da bela jovem, num lindo e tradicional traje branco típico de duas peças. Colírio de alta alvura, diriam alguns. Para outros, suspiros de satisfação embrulhados no sorriso atencioso de quem não queria perder nenhum vai e vem do malemolente quadril.

Seguindo na calçada, no sentido da mão da rua, o vai e vem frenético de gente nos mais diferentes afazeres: passo de vitrine, passo de desfile de gostosa, passo lento das senhoras, passo ligeiro dos atletas de meio fio, camelôs de máscaras anti covid e outras quinquilharias mais, além de bicletas na rua em meio aos transeuntes e idosos sentados nos bancos ao longo da rua. Uma festa de quase Natal, sim senhor.

O ar na rua soprava natalino por conta das lojas enfeitadas, bem menos do que nos anos sem pandemia.

Bom, e as compras de Natal? Precisei aferir por uma medição simples: a relação entre a quantidade de bolsas e sacolas por pessoa para conseguir por pura matemática o resultado. Foi fraco, em se tratando de pouco mais de duas semanas para Papai Noel chegar.

Pandemia, crise econômica e incerteza davam lugar às miúdas compras, que em anos anteriores faziam a festa de lojistas, camelôs e “camelitos” – este último, um apelido popular dado a alguns camelôs argentinos que se aventuraram pela famosa rua, em busca de um qualquer, para fazer frente à crise que assolava o país dos hermanos argentinos.

Mas aí, já estava perto daquele ponto onde vende galeto na brasa – no braseiro de carvão, sim senhor – e bebidas geladas extraídas de barris especiais e servidas em luminosas tulipas douradas, com um toque da barba de Papai Noel por cima.

Balancei entre seguir ou entrar. Mas resisti e segui. Afinal, todos precisavam saber de quê e porquê a Moreira César morreu.

Sabe de quê? Morreu atropelada pelo nome do ator Paulo Gustavo, niteroiense de cara e coração, que botou o humor brasileiro em outro patamar e levou junto com o seu sucesso a cidade natal que ele e Dona Ermínia tanto amavam.

O coronel Moreira César combateu a Revolta da Armada e morreu tentando reprimir a chamada Guerra de Canudos.

Canudos era uma comunidade miserável do interior baiano, que teve cerca de 20 mil integrantes mortos por tropas federais, entre 1896 e 1897, por se rebelar contra a fome e a miséria provocada pela improdutividade dos fazendeiros e latifundiários da região.

Pois bem, narrado o fato histórico e trazendo para os dias de pandemia, as placas foram trocadas em homenagem ao artista após aprovação em uma votação na internet e referendada pela Câmara de Vereadores de Niterói em 13/05/2020.

O ator, que nasceu e foi criado em Niterói, morreu em maio de 2020, aos 42 anos, vítima de Covid.

Se eu continuasse com o enredo da rua – e suas mazelas -, Papai Noel passaria e nem deixaria presente pra ninguém de tão ligado que estava no tema.

Ia até querer tirar foto nas estátuas de Paulo Gustavo e Dona Hermínia, no Campo de São Bento, que fica lotado dos fãs do ator par ver as duas obras de 1,82 metros de altura, inauguradas em 22/11/2020, quando Nitrói fez 448 anos de fundação.

Depois de muitos passos pela renomeada e talvez uma das mais populares ruas de Niterói, mudei o rumo para a Gavião Peixoto para mais uma vivência: dessa vez não mais a pé, mas a bordo de um confortável ônibus elétrico, rumo à Pendotiba.

Várias linhas estão testando o coletivo elétrico. Menos poluição sonora, emissão zero de monóxido de carbono, aceleração e desaceleração mais rápidos e mais conforto para o passageiro que viaja.
Na fase de teste, a velocidade ainda se restringe a cerca de 40km/h, mas os benefícios são mais uma amostra do porquê Niterói é a Cidade Sorriso. Dá gosto de ver.

A Moreira César não morreu, só mudou. Assim como vem acontecendo com Niterói, muito – mas muito antes mesmo – do valente índio temiminó Araribóia virar estátua.

Porque mudança não é morte, é renovação.

A propósito, já experimentou o ônibus elétrico? Quem sabe você não encontra Papai Noel sentado em ao menos uma das sete linhas que já operam a novidade?

Ou será que o novo transporte é de fato o próprio presente?


Luis Cláudio Duarte Paquetá

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