A arte e o resgate da solidão

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O teatro sempre foi uma ferramenta que colaborou com o processo de evolução dos tempos. Independente do espetáculo, o próprio processo de cursar uma aula de teatro possibilita uma abrangência gigantesca nos sentidos, proporciona empatia, além de ampliar a criticidade e naturalmente a sensibilidade.

Porque todo artista é sensível? Talvez pelo próprio processo de pesquisar a alma humana, nos torne mais vulneráveis a dor alheia, isso não é uma regra, mas deveria ser.

O Brasil exportou Augusto Boal um dos maiores teatrólogos do nosso país que tem uma importância fundamental no processo de resgate do ser através da arte. O teatro do oprimido é respeitado no mundo todo. Os processos de Boal permitiram acessar o lado mais significante do teatro- a transformação através dele.

Foto: Divulgação

São inúmeros os projetos em comunidades, presídios, casas de reabilitação, onde as técnicas de Augusto Boal ainda hoje se multiplicam na busca de libertar o ser humano de suas opressões.

E nesse reflexo de um país onde só na Capital de São Paulo temos por volta de dez mil crianças morando na rua, projetos como o de Ivan Antônio tem um peso singular no processo de humanização, um verdadeiro resgate da invisibilidade.

Ivan já foi citado nesta coluna através do Teatro da Solidão Solidária, projeto de sua autoria, que já é internacional e vem desenvolvendo e criando oportunidades para muitos jovens e pessoas no mundo. Ele é poeta, compositor, dramaturgo e cantor. Um artista completo, que além da técnica carrega a grandiosidade da profissão. Um olhar sensível de quem busca a arte como ferramenta de transformação.

Foto: Divulgação

Estar na rua, viver em situação de rua, além de todos os riscos, necessidades, violência e fome, pode-se dizer que o que mais machuca é a solidão, sob o reflexo da invisibilidade. O ser humano é uma espécie que vive em grupo, estar à margem disso, é perder a referência de quem se é, um fio muito tênue de desumanização.

Uma mulher em condição de rua, uma vez questionada o que mais era difícil para ela, respondeu- “as pessoas atravessarem a rua para não passar por mim”. Ela se sentia como um animal feroz, claro que nossa sociedade é coberta de medo, o desequilíbrio social, gera a violência da fome, mas a falta de toque, de carinho, de uma escuta, pode estar matando muitas pessoas nesse momento.

E assim surge o projeto do Teatro da Solidão Solidária, que tem como maior objetivo o resgate da solidão. E essa solidão não se especifica ao oprimido, ou apenas aqueles que se encontram à margem, mas ela pode ser encontrada em todos os seres, mesmo os de alto escalão da nossa sociedade. E essa ponte é o grande diferencial do projeto. Esse berço onde todos têm a oportunidade de expor suas dores sem serem julgados, independente da classe social, encontros entre diferentes pólos que se curam ao dividir suas dores. Esse projeto nascido em Camaçari na Bahia, hoje atravessa os oceanos, em busca de refugiados e solidões do lado de lá

Foto: Divulgação

Esse é um convite extraordinário para você e seu grupo de teatro, agregar esse projeto e acolher uma pessoa em situação de rua na sua cidade. O grupo irá fazer uma investigação sobre a solidão, ao mesmo tempo proporcionar o fim dela para alguém. A ideia é que um grupo de dez pessoas se reúnam para discutir o tema da solidariedade humana, e na sequência escolham uma pessoa ou criança em situação de rua e agregue essa pessoa ao grupo, com o intuito de junto dela encontrar caminhos para a solidariedade e o fim da solidão extrema. Essa pessoa terá a oportunidade de ser acolhida, ouvida e inserida na sociedade.

Em tempos de pandemia, falar de solidão pode ser mais fácil, afinal de alguma forma, todos nós fomos obrigados a senti-la na pele. Não poder abraçar um ente querido, não estar no seu grupo de amigos ou mesmo ser impedido de conhecer alguém novo, proporcionou a população um pouco dessa experiência. Que é diferente da solitude. Mas somos capazes de imaginar o que é viver sete, dez anos na rua, sem um abraço? Sem uma escuta? Sem nenhum carinho? E ainda sem poder escolher o que se vai comer? Rodeado de todas as vulnerabilidades possíveis. De toda a violência, precariedade das condições básicas de um ser humano.

Porque ainda achamos isso normal? Porque ainda atravessamos a rua com nosso medo egoísta, muitas vezes incapaz de entender o medo muito maior do outro. Normalizar o inconcebível pode ter sido um plano do capital, mas o ser precisa voltar para carne e entender que não dá mais. São através de ações como essa de Ivan Antonio e todos que abraçam seu projeto que o mundo começa a ser um lugar mais habitável. A esperança renasce e reacende a chama desse mundo novo que queremos, onde não há fome, nem medo, nem solidão. Onde a solidariedade reverbera e transforma a Terra em um lugar de felicidade.Sim estamos em 2021 e esperávamos não precisar mais falar sobre isso. Parece estranho imaginar que pessoas vivem assim. Mas vivem e são muitas. E o que será que cada um de nós podemos fazer para mudar essa realidade?

As possibilidades são infinitas, mas eis aqui um convite de Ivan Antônio que pode mudar não só a sua vida, como a de muitos ao seu redor.

Fica aqui esse convite para que você e seu grupo possam pensar a arte como solidariedade e diminuir a solidão do mundo

Foto: Divulgação

E neste sábado vai acontecer o 13 encontro Mundial Virtual do Teatro da Solidão Solidária, com artistas de diversos lugares do mundo, discutindo além de arte e cultura , os temas vigentes do planeta; compaixão, cura, democracia, direitos humanos, formas de solidariedade e caminhos para diminuir a dor do outro. Esse tipo de encontro alimenta, fortalece e nos mostra que não estamos sós. Estará disponível no canal do Ivan Antônio Artista no Youtube.

Todas as informações podem ser acessadas através da página @ivanantonioartista no Instagram.

“Amar, se amar, perdoar, se perdoar e seguir em frente”Ivan Antônio


Fernanda Magnani – Atriz, Professora de Teatro e Palestrante

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